Título: Regularização, já!
Autor: Chico Floresta
Fonte: Jornal do Brasil, 26/10/2004, Brasília, p. D-2

O processo de ocupação do solo em Brasília transformou-se, nos últimos anos, num escândalo monumental, num caso de polícia. Em plena luz do dia, grileiros de todos os calibres, muitos deles íntimos do poder, se apropriam de enormes extensões de terras públicas, de forma criminosa, para amealhar fortunas.

Certos da impunidade e sob os olhares perplexos da sociedade brasiliense, esses consórcios do mal erguem, do dia para a noite, cercas em torno dos terrenos da União e da Terracap e, em seguida, reivindicam a posse na Justiça. Para tanto, apresentam geralmente documentos ''esquentados'' em cartórios. Enquanto o processo se arrasta nos tribunais, eles parcelam o terreno e vendem os lotes a cidadãos de bem, que acalentam o sonho da casa própria. Quando o governo intervém, o problema já está criado.

Essa indústria de parcelamentos clandestinos não pode continuar. A iniciativa da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), de negociar com o GDF a assinatura de um convênio para regularizar a situação dos condomínios ilegais no DF, que agora está sendo posta em prática, é, certamente, a melhor maneira de dar um basta nessa situação.

No último dia 15, a secretária da SPU, Alexandra Rescke, e a chefe do Departamento de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, Raquel Rolnik, estiveram na Câmara Legislativa, a convite da Comissão de Meio Ambiente, para explicar os termos do convênio e apresentar a proposta da União. Na semana passada, o GDF também expôs as suas sugestões.

Pelo convênio, cada condomínio será regularizado de forma diferente. Serão respeitadas as especificidades ambientais e urbanísticas de cada área. Alguns casos, como Vicente Pires, no Guará, Itapuã, no Paranoá, e Vila Basevi, em Sobradinho, estão mais avançados. Outros, como o Lago Oeste e os condomínios na região do Grande Colorado, também têm prioridade. Áreas desocupadas, como duas glebas em Riacho Fundo II, deverão ser utilizadas pelo programa Crédito Solidário, do Ministério das Cidades, que distribuirá recursos para pessoas de baixa renda construir suas casas.

Em cada um desses casos, será formado um grupo de trabalho tripartite, composto por representantes do GDF, da União e da própria comunidade. São esses grupos de trabalho que irão decidir como os lotes serão vendidos. As opções são várias e as soluções devem obedecer critérios justos. Afinal, está-se tratando de terras públicas, desapropriadas pelo governo com o dinheiro do povo.

O Ministério Público vai monitorar todo esse processo. Os procuradores auxiliarão os grupos de trabalho para que não sejam tomadas decisões fora da lei, que possam ser questionadas posteriormente. Órgãos do governo federal, como o Ibama, Incra e a própria SPU, e do GDF, como a Terracap e a Secretaria do Meio Ambiente, estarão atentos a tudo. A Câmara Legislativa também acompanhará as discussões, mesmo porque os resultados do convênio precisarão ser aprovados pelo Legislativo local.

O governo federal tem convicção da importância do papel que o GDF cumpre nesse processo. E não adianta agitar espantalhos eleitoreiros com a velada intenção de obscurecer o bom entendimento entre essas duas instâncias de poder.

O convênio ainda não tem data para ser assinado. Mas é o primeiro passo, aliás, o grande passo para a regularização definitiva das ocupações irregulares em terras públicas no DF. É o melhor caminho para se resolver, de uma vez por todas, uma questão que se mostra cada dia mais explosiva. É a forma mais eficiente de podar a esperteza dos grileiros.

Por isso, não é de se estranhar que, nesse momento, surjam vozes contrárias à legalização. Sob o falso argumento de que áreas como Vicente Pires e Itapuã ainda são alvo de disputa judicial, alega-se que o convênio entre a União e o GDF estaria fadado ao fracasso. Mentira. A Advocacia Geral da União não tem dúvidas de que as terras em questão são de propriedade do governo. Além disso, a SPU sinalizou que irá até o fim no processo de legalização.

Portanto, a hora é de arregaçar as mangas e botar a bola para a frente. Urge proceder, com o rigor necessário, aos estudos ambientais e urbanísticos das áreas ocupadas, para que os condomínios comecem a assumir a feição legal. Manter o atual estado de coisas só favorece a grilagem.