Título: Escolas do Medo: Quando o crime vira modismo
Autor: Gustavo de Almeida e Waleska Borges
Fonte: Jornal do Brasil, 19/06/2005, Rio, p. A23

O professor Lorenzo Pompílio da Hora leciona há 23 anos nas disciplinas dos segmentos das ciências criminais como direito penal especial e processo penal. A maior parte de seus alunos na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) sabe que há mais de 10 anos ele também é o delegado Lorenzo da Hora, da Polícia Federal, com experiência no combate ao tráfico de drogas e passagens marcantes como a prisão do publicitário Duda Mendonça durante uma rinha de galo. No dia 5 de outubro de 2002, porém, as duas personalidades deram lugar a um novo homem - o cidadão Lorenzo da Hora, que uniu o professor ao delegado em busca de respostas. Nesta data, inesquecível para Lorenzo, ele foi atingido por um tiro de fuzil.

Desde então, ele vem estudando a violência em sua origem - e descobriu que a linguagem é a embalagem perfeita para as idéias que vão sendo levadas para as escolas, criando em alunos inocentes padrões de associação com o crime e o tráfico de drogas. Em sua tese de doutorado com o segmento de Educação da UFRJ, realizada com o Grupo de Estudos Ambientais, ele tenta responder à pergunta que faz há três anos: por quê teve de nascer pela segunda vez.

- O tema é ''Combate à Drogadição (sic) - entre a educação e a repressão''. No trabalho, vemos que as afirmações que constroem e precedem a pergunta são uma realidade. O nosso trabalho procura combater esses fatos com o cotejo dos segmentos que atuam na educação e na repressão. Partindo da premissa de que esta última, por si só, já se tornou impotente para solucionar a questão - diz Lorenzo, sempre intrigado diante da realidade. Em sua tese de doutorado, que deve ficar pronta em julho, ele promete um glossário com as expressões do tráfico que vão se tornando de uso corrente entre a população carente e até entre a classe média - é o caso de ''já é'' (é para já), ''alemão''(inimigo, morador de comunidade adversária) e ''fé em Deus'' (slogan de uma facção criminosa), já ouvidos com naturalidade em escolas públicas.

- Durante o ano de 2004 fomos estruturando um banco de dados que autorizasse a fundamentação das hipóteses que estão sendo discutidas. Foi marcante a constatação da existência de uma linguagem voltada para a violência. Esta desperta no jovem que pratica crimes uma conduta guerreira, ou seja, o assaltante efetiva sua ação com violência. Estamos descobrindo que esta linguagem está separando mundos, gerações, segmentos. Está esvaziando o espaço destinado à educação - alerta o professor.

A dissertação de Lorenzo revela que o delito acaba se vulgarizando por meio da linguagem, perdendo muitas vezes seu caráter penal. Em suma: se propagando pela gíria, o crime se populariza e perde gravidade.

- A linguagem desempenha um papel determinante na violência. A linguagem nos introduz no mundo que conhecemos. A partir dela construímos rótulos e por ela podemos ser manipulados. Esses entendimentos sequer precisam ser discutidos, pois já se consolidaram. Sabemos também que o crime organizado voltado para o tráfico de entorpecentes vem tentando estruturar seus signos, valores e construções que precedem uma ideologia através da linguagem. Ainda que alguns considerem isto uma hipótese, esta certamente merece um trabalho.

Se entrar no Orkut, site de relacionamentos na internet, Lorenzo terá um bom exemplo para sua tese: jovens que estudam e trabalham normalmente, alguns até de outros estados brasileiros, aderem a comunidades como Terceiro Comando Puro, Amigos dos Amigos e Comando Vermelho. Investigadores da Polinter e da Delegacia de Crimes de Informática (DCI) já investigam e cogitam inquérito por apologia ao tráfico. Mas a maioria dos investigadores admite: no caso do Orkut, trata-se apenas de uma triste admiração.