Título: Apoio à democracia em xeque
Autor: Olivia Hirsch
Fonte: Jornal do Brasil, 19/06/2005, Internacional, p. A13

O que fazer quando o ''bandido'', e não o ''mocinho'', ganha no final? Esse é o dilema que a Casa Branca enfrenta atualmente no Oriente Médio. Ferrenho propagador da democracia, o governo do presidente americano, George Bush, se depara com o sucesso legítimo nas urnas de grupos que julga terroristas, como o palestino Hamas e o libanês Hisbolá.

Na tentativa de inverter esse quadro, a secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, discutirá hoje com o premier israelense, Ariel Sharon, a participação do Hamas nas eleições parlamentares. Cogitou-se até a possibilidade de a secretária, que se reuniu ontem com o presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, o pressionasse para que impeça o grupo militante de participar do pleito. A preocupação é fruto do êxito da facção nas eleições municipais, em janeiro, e dos recentes contatos com diplomatas da União Européia.

Segundo analistas, a possível vitória do Hamas nas urnas também teria sido a razão - por trás do discurso oficial - que levou Abbas a adiar por tempo indeterminado as eleições parlamentares na Cisjordânia, em Gaza e em Jerusalém Oriental, marcada para 17 de julho.

De fato, o temor em relação à região não é infundado. Um estudo recente realizado pelo Council on Foreign Relations, de Washington, concluiu que não só partidos políticos, mas também movimentos islâmicos devem assumir papel proeminente em um Oriente Médio mais democrático.

- Os EUA não têm outra opção senão engolir este amargo sabor da ''democracia'', se realmente acreditam que devem promovê-la de maneira descontrolada - afirma ao JB Khaled Hroubk, diretor do Projeto de Mídia Árabe de Cambridge e autor do livro Hamas: ensinamento político e prática. - Atualmente, a credibilidade da política externa americana na região atingiu seu nível mais baixo na História. Se hesitarem ou retraírem por causa da esperada ascensão de forças islâmicas, os EUA vão perpetuar sua negativa reputação de superpotência hipócrita, que brutalmente passa com seus interesses por cima das demandas e dos desejos da população.

Mouin Rabbani, analista de Oriente Médio do prestigioso International Crisis Group, é, contudo, menos esperançoso:

- Não acho que haverá qualquer contato entre EUA e Hamas, apesar do resultado eleitoral. Em último caso, Washington vai se opor ao pleito quando tiver certeza de que não será de seu agrado, como foi a consistente oposição de Bush às eleições da ANP enquanto Yasser Arafat estava vivo.

Se as eleições fossem realizadas agora, o movimento Fatah, de Abbas, obteria a maioria das cadeiras no Parlamento (44%), mas 33% dos assentos ficariam nas mãos do Hamas e da Jihad Islâmica - que compartilham candidatos -, segundo recente sondagem do independente Centro Palestino de Pesquisas.

É a primeira vez que o grupo de Gaza se envolve no processo político e tem a seu favor o desencantamento dos palestinos com o Fatah, manchado por escândalos de corrupção e pelo fracasso em estabelecer a lei.

No vizinho Líbano, a atuação do Hisbolá nas urnas há muito é bem-sucedida, mas até agora concentrava-se na empobrecida região Sul do país, que fora ocupada por Israel em 1982. No entanto, depois do pleito que termina hoje - e vem sendo realizado aos domingos, desde 29 de maio - o aumento do número de assentos conquistados pelo grupo deve se tornar indispensável à futura coalizão de governo. De fato, o favorito para o cargo de primeiro-ministro, Saad Hariri - filho do ex-premier Hafik Hariri, assassinado em fevereiro -, já afirmou que pretende trazer o Hisbolá para Beirute.

Apesar da rejeição de Washington aos resultados, frear a decisão popular não será tarefa fácil. Vale lembrar o exemplo da Argélia, em 1991. Na ocasião, o pleito foi anulado após extremistas nacionalistas levarem a melhor nas urnas. À este episódio se seguiram anos de violentos enfrentamentos.