O Globo, n. 32789, 16/05/2023. Política, p. 5

Governo mira estratégia para conter CPI do MST e esfriar crise com o agro

Rafael Moraes Moura


Em meio a uma relação turbulenta com o agronegócio, o governo busca uma estratégia para conter o avanço da CPI do MST no Congresso. O colegiado criado para investigar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra tem tudo para se tornar um “bunker” da oposição e gerar focos de atritos na relação com os ruralistas, que ontem voltaram a subir o tom contra auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

No mais recente episódio de estranhamento entre o Palácio do Planalto e o segmento, o vice-presidente da Frente Parlamentar do Agronegócio (FPA), deputado Evair de Melo (PP-ES), criticou duramente a presença de ministros em evento organizado pelo MST, no último fim de semana, em São Paulo. Para Melo, o ocorrido dinamitou a ponte de diálogo com o governo.

Na CPI, o objetivo dos ruralistas é investigar quem são os financiadores do MST que, junto com outros movimentos ligados à questão da terra, promoveu ao menos 56 invasões no ano — mais do que 2022 inteiro, segundo levantamento Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

A tese dos ruralistas é que as invasões ocorrem com a conivência do Planalto e de governos estaduais petistas, como o da Bahia, e de que dinheiro público — de emendas, convênios e até mesmo de programas do governo Lula — tem sido desviado para financiar a ofensiva contra as propriedades privadas.

Só que, ao contrário do que acontece na CPMI dos Ataques Golpistas, na do MST os ruralistas devem ter entre 15 e 17 dos 27 titulares. Desses, 13 já foram anunciados pela oposição, todos com forte discurso contrário a invasões. Aliados do presidente já encaram a comissão como palco de uma espécie de terceiro turno de 2022, onde o PT será confrontado com uma “guerra de narrativas” difícil de vencer.

— Nós queremos atuar em cima de quem não respeita a Constituição e as leis. A reforma agrária é legítima, o título rural é legítimo, mas somos contrários a qualquer invasão de propriedade privada —disse à equipe do blog da coluna de Malu Gaspar o autor do pedido da CPI, Coronel Zucco (Republicanos-RS), que deve ser o presidente.

Nesse contexto, o primeiro movimento do governo para tentar reduzir danos nessa arena é tentar postergar o início da CPI, adiando ao máximo a indicação dos parlamentares da base aliada como forma de ganhar tempo. Enquanto isso, o Planalto torce para uma mudança no clima político que distraia a atenção do público para outros assuntos, como os escândalos que rondam Jair Bolsonaro e sua família, e esvazie a CPI.

Caso não seja possível evitar o funcionamento da comissão, os governistas já preparam o discurso de “apelo social” em defesa do MST, argumentando que o movimento promove a agricultura familiar, é “o maior produtor de arroz orgânico do Brasil” e tem consciência ambiental.

No início do mês, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, se reuniu pela primeira vez com a bancada do setor, em Brasília. A ideia era apaziguar os ânimos, dadas as tensões criadas entre a agro e governo por causa da questão MST.

“Arrancou pontes”

O encontro, de cerca de quatro horas, não dissipou todos os problemas, mas foi encarado como um aceno a um setor estratégico, que representa 24,8% do PIB brasileiro. Lideranças do agro ouvidas pela equipe da coluna se queixam do que consideram uma “postura vingativa” do governo Lula na relação com um setor tradicionalmente associado a Jair Bolsonaro.

Desde que Lula retornou ao Planalto, o agro acumula queixas em relação à administração petista, demonstradas no episódio em que Fávaro foi “desconvidado” da abertura da Agrishow, que teria Bolsonaro. Os produtores se queixam de atos do governo, como a ida de João Pedro Stédile, líder do MST, à China na comitiva de Lula.

Episódios dos últimos dias indicam que a missão de pacificar as relações é bastante complexa. A ida de sete membros do primeiro escalão do governo de Lula à Feira da Reforma Agrária, que terminou domingo, irritou membros da bancada ruralista da Câmara. O vice-presidente da FPA na Casa subiu o tom e disse que o governo perdeu “a ponte com o agronegócio”.

“Ao frequentar eventos e tirar fotos com líderes do movimento terrorista, MST, os membros do Governo Lula deixam bem claro de que lado estão. E não é ao lado dos produtores rurais e donos de propriedades privadas” escreveu Evair de Melo. “Não tem mais diálogo. O governo arrancou a ponte com o agro”.

Sábado, a CPI foi ironizada pelo ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, que disse que os deputados vão encontrar “coisas gravíssimas” na comissão, como “suco de uva produzido sem trabalho escravo”. O ministro disse que Lula, representado pelo vice Geraldo Alckmin, tem gratidão ao movimento.

Em outra publicação, Evair de Melo afirmou que “enquanto os representantes de Lula estão confraternizando com os invasores”, o agro estaria “refém do terrorismo do MST”.