O Globo, n. 32789, 16/05/2023. Economia, p. 12

“Imposto de renda é onde se pode perseguir equidade''

Entrevista: Rodrigo Orair 


Diretor da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária, o economista Rodrigo Orair, um dos maiores especialistas no tema, diz que a reforma do Imposto de Renda (IR), que deve ser enviada ao Congresso no segundo semestre, vai buscar igualar a forma de tratamento dos rendimentos, sejam eles do trabalho, do capital ou aqueles que estejam no exterior.

Ao contrário da reforma dos tributos sobre o consumo, que não tem como objetivo principal reduzir a desigualdade, o “Imposto de Renda, por excelência, vai perseguir objetivos distributivos”, diz ele. Atualmente, a renda de salários é mais tributada do que a do capital.

Como vencer a resistência do setor de serviços à reforma tributária? Subir a alíquota para 25%, para igualar à média da carga tributária sobre o consumo hoje no Brasil, não é tarefa fácil.

O papel da secretaria é dar subsídios técnicos ao Congresso e ser realista. Não adianta abraçar uma proposta mais bem desenhada se é politicamente inviável. As próprias PECs (110, no Senado, e 45, na Câmara) têm válvulas de escape. Há alguns tratamentos favorecidos, especiais. E não se trata do setor de serviços em geral.

O prestador de serviço no MEI (microempreendedor individual) no meio da cadeia de produção tende a ganhar na reforma. Há créditos tributários para gastos com telecomunicações, de escritório. Hoje não se recupera esse crédito. Um setor que atua no meio de cadeia, que oferece insumo para outra empresa, vai recuperar crédito de outro prestador.

Mesmo na venda para o consumidor final, já se aponta alguns tratamentos especiais. O primeiro é o Simples, que fica como está e pode até melhorar. No caso de saúde e educação privadas, há a possibilidade de tratamentos favorecidos. Não é o setor de serviços em geral. Dar um incentivo generalizado para um setor inteiro não é uma boa solução.

Um dos princípios basilares da reforma é que a carga tributária não vai crescer. Se há um benefício para um tipo de serviço, a alíquota geral precisará ser mais alta. O tratamento diferenciado não precisa ser necessariamente por alíquota.

Poderia ser como?

Pode ser via cashback, que pode ser graduado de acordo com o consumidor, beneficiando o de baixa renda. Na saúde e educação, estamos calculando quanto custaria ser via alíquota ou por cashback. Vamos oferecer um cardápio aos parlamentares. Simulações mostram que o modelo de devolução na saúde e na educação pode ser limitado a R$ 1 mil, ou R$ 2 mil. A partir disso, não haveria devolução. Acaba sendo uma solução menos onerosa.

O grande problema da alíquota diferenciada é que não distingue pobre de rico. No futuro, essa fronteira entre serviços e bens de consumo fica cada vez mais opaca. As pessoas não compram carro, fazem uma assinatura de um carro. Manter a diferenciação de alíquota abre espaço para uma série de mazelas, cria margem para planejamento tributário, ação de lobbies buscando mais exceções, desvirtuando o sistema.

Mas a devolução do imposto não é muito usada nas experiências internacionais.

Não com esse alcance no Brasil. Mas nós temos uma potência de política pública, que é o Cadastro Único, com bons mecanismos de aferição. O Brasil tem um Fisco bastante informatizado. Vimos isso quando foi criado o Auxílio Emergencial (na pandemia, foram distribuídos R$ 600 a cerca de 60 milhões de pessoas). A tecnologia está a nosso favor, a institucionalidade nós já temos.

A tributação não diferencia pobre e rico, mulher e homem, pretos e brancos. Isso acaba beneficiando o mais rico. A devolução é a possibilidade de relacionar o imposto com o beneficiário.

Como será a proposta da reforma nos impostos sobre a renda?

Não há posição oficial do Ministério (da Fazenda), só estudos. O Imposto de Renda é onde por excelência se pode perseguir objetivos distributivos, equidade, graduando conforme a capacidade contributiva. A reforma de Imposto de Renda vai buscar tornar mais equitativa a tributação das diferentes formas de renda, de capital, do trabalho, do capital no exterior.

Hoje são tributadas de forma diferente. A ideia é que paguem alíquotas parecidas. Há diferimento (postergação do pagamento do imposto), isenções, queremos tributar de maneira mais ampla, removendo iniquidades. A reforma de bens e serviços não vai aumentar a carga tributária, será neutra. A do Imposto de Renda, não há posição definida, mas pode ter ganhos arrecadatórios.

Lucros e dividendos serão tributados na pessoa física?

Não tem posição oficial ainda sobre isso.

Ao estabelecer uma alíquota única, sem que os estados possam conceder benefícios para atrair empresas, não pode concentrar os investimentos nos locais onde o mercado consumidor é maior?

Num primeiro momento, essa política pode ter realocado as decisões de investimento, mas os competidores acabaram igualando o benefício, e os estados foram obrigados a dar mais benefício. Essa política de benefícios fiscais se tornou predatória e está erodindo a base de arrecadação de todo mundo.

Os governadores, para compensar os benefícios fiscais, aplicam alíquotas altas em energia, telecomunicações, combustíveis. O fundo de desenvolvimento regional (previsto na reforma) vai ter linhas mais claras, redirecionando mais recursos para regiões menos desenvolvidas. O objetivo é trocar uma coisa que não funciona por outra que vai atender regiões mais carentes, menos desenvolvidas. Essas políticas são ineficientes e pouco transparentes.

O imposto único é o mais adequado nessa era de economia digital e inteligência artificial? O IVA (Imposto sobre Valor Agregado) não está velho?

O que mais se avançou em termos de economia digital foi a tributação de bens e serviços por meio do IVA. Com o IVA, todos os bens e serviços tangíveis e intangíveis são tributados no destino, onde está o consumidor. Posso não saber onde está a empresa de streaming, mas sei onde está o consumidor. A empresa não precisa estar presente fisicamente, num processo simplificado, totalmente digital, pode-se coletar aqui no Brasil.

IVAs modernos de segunda geração já se adequaram. Nova Zelândia, Canadá já fizeram isso. E aqui ficamos brigando se deve ser cobrado ICMS ou ISS, com streaming pagando menos que o distribuidor de TV a cabo.