Título: Adaptar para sobreviver
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 05/06/2005, Rio, p. A26

A proximidade com a favela cria novas regras de convivência entre a escola e seus alunos ¿ e destes com os bandidos das comunidades. Aluno da Escola Estadual Jorge Jabour, em Senador Camará, R., 16 anos, frequenta a aula no turno da noite. Na turma de 38 alunos, cinco, segundo ele, são ligados à venda de drogas em um morro da Zona Oeste. ¿ De dia, eles (os alunos) trabalham no radinho. Ficam em cima dos telhados das casas vigiando a polícia ¿ explica R.

O adolescente, que nos últimos cinco anos viu pelo menos sete colegas de infância presos ou mortos, tenta se manter distante do tráfico. Segundo ele, a admiração por bandidos é comum entre garotos da comunidade, mesmo os que não são ligados diretamente ao crime.

¿ Eles são fãs do traficante Robinho Pinga, dono das bocas-de-fumo das favelas do Rebu e da Coréia ¿ revela R., que sonha diferente: ser PM do Batalhão de Operações Especiais (Bope).

¿ Para quem mora na favela, não há problemas em ir para o Exército. Alguns meninos, quando voltam de lá, acabam ensinando o que aprenderam para os traficantes. Só não gostam de policiais ¿ conta R., que já planeja mudar-se da comunidade quando se tornar PM.

Ex-aluno da Escola Estadual São Bento, em Gramacho, P., 18 anos, terminou o Ensino Médio no ano passado. Ele conta que viu um colega de turma, que era envolvido com o tráfico de drogas, na Favela do Dique, espancar um professor de química. Pouco tempo depois, aluno e professor envolvidos na briga deixaram a escola.

¿ Em meados do ano passado, o professor pediu para que o garoto saísse da sala. O garoto disse que não iria sair porque era do movimento. O professor insistiu e acabou apanhando ¿ lembra P.

Moradora de Vila Kennedy, D., 18 anos, concluiu o Ensino Médio num colégio, em Bangu, que recebe alunos de Padre Miguel. As duas comunidades são controladas por traficantes de facções criminosas rivais:

¿ Os alunos acabam se dividindo em grupinhos de acordo com o local onde moram. No percurso até a escola, tinha medo de ser identificada como moradora de Vila Kennedy pelos alunos que fechavam com a boca. Por isso, dizia que morava no Quafá, que é um local dentro da Vila que poucos conhecem.

Segundo a coordenadora-geral do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe), Gesa Linhares, por causa da violência nas escolas, o sindicato contratou um advogado criminalista.

¿ A educação pública no Rio está chegando ao fundo do poço. Enquanto isso, o poder público não está incomodado com a questão da segurança nas escolas ¿ critica Gesa.

De acordo com a coordenadora do Sepe, 50% dos pedidos de transferências feitos por professores são motivados por causa da violência. No ano passado, 80 mil estudantes e 874 professores pediram transferência nas escolas do município.

Segundo a Secretaria Estadual de Educação, muitas vezes, os professores pedem transferência para regiões mais próximas de suas casas. No município, são 1.054 escolas, 757 mil alunos e 48.317 professores.

A Secretaria Estadual de Educação nega que os professores peçam transferências motivados pela violência. Segundo a secretaria, do início do ano até o dia 31 de maio, houve 1.066 pedidos de transferências, 488 deles já autorizados.

¿ Não dá para viver com medo. Os professores que denunciam os abusos estão sendo ameaçados e os diretores exonerados ¿ protesta Gesa, sugerindo a união da prefeitura e dos governos estadual e federal. A mesma proposta de união é defendida pelo vereador Eliomar Coelho (PT), que em março do ano passado denunciou roubos, furtos, depredações e ameaças a escolas da rede municipal. Até hoje, diz o vereador, nada foi feito para evitar os crimes.

¿ Os professores já notaram que dentro das salas há diversos alunos envolvidos com tráfico, e têm condição de identificar. Mas não podem. Para lutar contra isto, seria necessário que tanto secretaria estadual quanto municipal se entendessem ¿ diz.