Título: Ação privada, espírito público
Autor: Nathalie Beghin
Fonte: Jornal do Brasil, 26/05/2005, Opinião, p. A11

A cada dia aumenta o interesse da sociedade brasileira em conhecer as motivações e as conseqüências do crescente envolvimento das empresas privadas na área social. Há cinco anos o Ipea promove estudos sobre esse tema, em busca de entender como e por que o setor privado vem se dedicando a desenvolver, em caráter voluntário, ações sociais em benefício de comunidades.

As pesquisas realizadas pelo Instituto no final dos anos de 1990 revelaram que é expressivo o percentual de empresas privadas que atuam no campo social: 59% declararam realizar atividades sociais não obrigatórias para comunidades em geral. Esse conjunto de empresas investiu nessa área cerca de R$ 4,7 bilhões em 2000, o que correspondeu a 0,43% do PIB daquele ano. Não obstante os riscos de se extraírem generalizações a partir de informações sobre um universo multifacetado e influenciado pelo tamanho, localização e atividade econômica da empresa, é possível destacar as seguintes características que marcam a ação social do setor empresarial: o envolvimento é essencialmente de cunho filantrópico e distante de interesses econômicos. Trata-se de uma atuação descoordenada e pulverizada, motivada por pressões oriundas de demandas dos mais carentes que batem às portas das empresas e que terminam por pautar o atendimento realizado. Uma minoria vislumbra resultados econômicos dessa atuação: a própria imagem ou o aumento da lucratividade. O retorno é percebido, em geral, no campo das gratificações pessoais e da melhoria das condições de vida das comunidades atendidas. No entanto, essas percepções são impressionistas, pois os empresários não avaliam os resultados das atividades desenvolvidas. Observa-se, ainda, que a contribuição empresarial independe das políticas governamentais, sejam elas nacionais ou locais: trata-se de uma iniciativa do próprio empresário, que não reconhece influências do governo no processo decisório de sua atuação, na operacionalização das ações e no volume de recursos aplicados.

Qualquer que seja a interpretação que se queira dar à natureza desse ativismo social empresarial, não se pode negar que o setor privado lucrativo no Brasil é um ator importante na implementação de políticas sociais. Buscar entender como as empresas interpretam e enfrentam a pobreza e a exclusão não significa, necessariamente, uma postura de defesa de seus pontos de vista e muito menos negar a importância dos demais atores sociais. A análise do fenômeno da ação social das empresas busca subsidiar o debate sobre como se definem e delimitam os interesses privados e a ação pública.

Agora, o Ipea está novamente em campo com a Pesquisa Ação Social das Empresas. O objetivo é atualizar os dados nas regiões Sudeste e Nordeste de modo a construir uma série histórica. Está sendo pesquisada uma amostra de mais de 4 mil empresas com um ou mais empregados selecionadas a partir de cadastros mantidos pelo Ministério do Trabalho e Emprego (RAIS e CAGED).

Os resultados da primeira etapa do levantamento revelaram um crescimento de 35% do número de empresas do Nordeste que declararam realizar voluntariamente atividades sociais para a comunidade, que passou de 55% em 1999 para 74% em 2003. No Sudeste, a proporção de empresas que atuam na área social é de 71%. Os resultados finais serão divulgados em junho próximo e possibilitarão apresentar, em caráter inédito, a evolução do comportamento das empresas privadas na área social para as regiões Nordeste e Sudeste.