Título: A burocracia do desperdício
Autor: Marcelo Ambrosio
Fonte: Jornal do Brasil, 08/05/2005, País, p. A7

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tanto perde o sono em busca da redução dos gastos públicos, não vai encontrar na burocracia oficial o antídoto para sua insônia. Há alguns dias, essa máquina encaminhou a um grupo de 200 servidores ligados à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), pelos Correios, um aviso de cobrança que beira o surreal. Em um desses casos, a que o JB teve acesso, a dívida era de apenas R$ 6,14. Há casos onde o valor é ainda menor. O maior raspa os R$ 400.

O débito real desse servidor, que não quis se identificar, era de R$ 4,14, ''incluídos indevidamente em uma diária de viagens em 2002'', acrescido de ''atualização monetária pelo índice IPCA e de juros de mora de 030% equivalentes a 1% do mês calendário ou fração'', diz o ofício. O termo foi postado em Brasília com Aviso de Recebimento, ao custo de R$ 5,14.

- Minha primeira reação foi de achar um absurdo, o prejuízo que essa cobrança acarreta em função do descontrole do gasto. Houve falta de zelo com o dinheiro público - reclama o servidor, que já pagou a dívida através de uma guia que acompanhava o ofício, assinado pelo Gerente de Finanças e Controle, Walmir Gomes de Souza.

- Devolvi o comprovante, conforme é exigido, também com Aviso de Recebimento, por necessidade de garantia. Ou seja, o governo gastou outros R$ 5,14 para ter certeza que eu havia quitado uma dívida que nem sabia ter sido contraída - completa o funcionário.

A despesa para reaver os R$ 6,86, que já passava de R$ 10, recebeu um acréscimo importante. Intrigado com a cobrança, o servidor telefonou, de um órgão público, para o número indicado em Brasília, conforme a orientação recebida no ofício, datado de 21 de março, em caso de dúvida. O prazo para o pagamento determinado era de 15 dias.

- Fiquei uns bons dez minutos até que me atendessem. Só aí soube que a cobrança era uma determinação do Tribunal de Contas da União para esse grupo de pessoas, imposta a partir de uma auditoria realizada pela Secretaria de Controle Interno da Anvisa - contou. À conta, a grosso modo, somaram-se outros R$ 15, elevando para R$ 25 o custo para a União.

Procurada em Brasília, a Anvisa explicou que a cobrança foi necessária porque alguns profissionais foram classificados erroneamente como consultores nos pedidos de viagens, quando eram do órgão. Com isso, receberam os R$ 4,14 para a alimentação indevidamente incluídos. Como o servidor foi e retornou do Distrito Federal no mesmo dia, recebeu uma diária.

Segundo o órgão, não havia, na época, a interligação entre os sistemas de pessoal, o que não mais ocorreria hoje. A cobrança, embora estranha, reconhece a agência, é justa, porque a ordem é não deixar de receber qualquer pagamento considerado indevido, seja qual for o montante. Um zelo bem-intencionado, mas que, pelo resultado, e projetando a possibilidade para outros setores da burocracia, ainda vai manter o presidente Lula com os olhos abertos por muito tempo.