O Estado de S. Paulo, n. 46616, 04/06/2021. Política, p. A4

Exército livra Pazuello de punição por ir a ato político

Felipe Frazão


Alinhado ao desejo do presidente Jair Bolsonaro, o comandante-geral do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, livrou o general da ativa Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, de punição por ter participado de ato político em apoio ao presidente da República no Rio – o que é proibido pelas normas militares. O comandante concluiu ontem que Pazuello não cometeu “transgressão disciplinar” ao subir em carro de som e discursar em defesa de Bolsonaro. O procedimento administrativo contra ele foi arquivado.

Em comunicado oficial, o Exército informou que, no entendimento do comandante, “não restou caracterizada a prática de transgressão disciplinar por parte do general Pazuello”.

Entre oficiais, a decisão foi recebida com silêncio e constrangimento. As críticas mais duras foram feitas por políticos e ex-titulares do Ministério da Defesa.

O desfecho do caso foi divulgado em nota sintética pelo Centro de Comunicação Social do Exército. No documento, a manifestação de motociclistas promovida em 23 de maio por apoiadores de Bolsonaro foi tratada como um “evento”. As imagens do ato mostram milhares de militantes que defendem a reeleição do presidente em 2022, além de Pazuello e de parlamentares bolsonaristas.

O Comando do Exército disse também que Paulo Sérgio “analisou e acolheu” os argumentos de defesa de Pazuello, que foram apresentados por escrito e “sustentados oralmente” pelo general, que, como esperado, foi ao encontro do comandante para dar mais explicações. O ex-ministro da Saúde alegou que a manifestação não era político-partidária, que ocorreu fora do período eleitoral e que o presidente não está filiado a partido. O Regulamento Disciplinar do Exército e o Estatuto dos Militares, porém, proíbem a participação de militares da ativa em manifestações políticas a qualquer tempo.

Generais da ativa consultados pela reportagem afirmaram que o Alto Comando tem ciência de que a decisão não foi bem recebida e que gerou desgaste à instituição e desconforto a eles mesmos. Ponderam, porém, que qualquer decisão geraria problemas e que uma eventual a punição a Pazuello representaria por tabela uma reprimenda ao presidente, por causa da presença de Bolsonaro no mesmo palanque.

Bolsonaro manifestou de diferentes formas seu descontentamento quanto à possibilidade de punição a Pazuello. A primeira blindagem do presidente foi o veto à divulgação de uma nota que o Exército publicaria para comunicar a instauração do procedimento disciplinar contra o ex-ministro. Dias depois, Bolsonaro anteciparia as alegações de defesa de Pazuello, dizendo em uma live nas redes sociais que o ato no Rio não teve viés político.

Na terça-feira passada, ele nomeou Pazuello para um novo cargo político de assessoramento, vinculado a seu gabinete, o de secretário de Estudos Estratégicos, abrigando-o no Palácio do Planalto e afastando-o do Exército.

Em viagem acompanhado de Paulo Sérgio e dos ministros da Defesa, general Braga Netto, e da Casa Civil, general Luiz Eduardo Ramos, tratou o comandante como “amigo” e disse que o governo respeitava “seus militares” – a expressão gera descontentamentos velados, já que na prática repete o teor da frase “meu Exército”, repetida por Bolsonaro, e que vincula as Forças Armadas – pela Constituição, instituições de Estado – a seu governo.

A nomeação fez Paulo Sérgio auscultar o Alto Comando. Ele reuniu um grupo restrito de generais quatro estrelas para discutir o que fazer. Já pressionado publicamente pelo presidente, ele desejava ter o respaldo da cúpula verde-oliva, apesar de a decisão ao fim ter sido individual e contrariado o desejo de oficiais. Segundo militares que assessoram o comandante, ele não cogita deixar o cargo, como defendiam generais da reserva.

Repreensão. No generalato, a maioria já havia se declarado, em conversas reservadas, a favor da punição. A prisão disciplinar logo foi descartada. Ao longo do processo, generais da cúpula sugeriram a Paulo Sérgio aplicar uma repreensão por escrito, uma punição média. Consideravam que poderia haver atenuantes e por isso ponderavam que a pena poderia ser abrandada para uma advertência verbal, cujo teor poderia nem sequer vir a público. Mas nem isso saiu. Mesmo isentando Pazuello, os oficiais mais próximos do comandante sustentam que ele teve respaldo dos demais generais.

A decisão de Paulo Sérgio é controversa e divide opiniões. O desfecho do caso abre brecha para que o regulamento disciplinar da Força Terrestre fique desacreditado. Uma punição ao general de três estrelas era considerada inédita e mostraria que o Exército não hesitaria em punir uma transgressão, nem mesmo vinda de oficial de alta patente, mesmo que aliado do presidente, para preservar a disciplina interna. Como isso não ocorreu, a mensagem enviada é a oposta e atinge a imagem das Forças Armadas, já contestadas.

Um dos próximos casos, como revelou o Estadão, será o de um sargento da ativa que reclamou de questões remuneratórias em live com o deputado bolsonarista Major Vitor Hugo (PSL-GO), exlíder do governo (mais informações na página ao lado).

Até mesmo oficiais ligados ao Clube Militar, cuja direção é alinhada ao governo Bolsonaro, diziam que uma eventual punição não seria desonra para Pazuello, mas sim um “registro da altivez e da fidelidade à causa” por parte comandante. O vice-presidente da República, general de Exército da reserva Hamilton Mourão, chegou a dizer que a regra deveria ser aplicada para “evitar que a anarquia se instaurasse dentro das Forças Armadas”.