Título: Funai afirma que saúde dos índios piorou
Autor: Hugo Marques
Fonte: Jornal do Brasil, 24/04/2005, País, p. A5

Relatório sobre desnutrição mostra retrocesso em 2004

Relatório do Grupo de Trabalho da Funai sobre desnutrição em áreas indígenas de Mato Grosso do Sul mostra que a situação de saúde dos índios ''sofreu retrocesso'' em 2004, segundo ano de administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em dois anos, 30 crianças indígenas morreram de desnutrição na reserva dos guaranis-kaiowás, em Dourados (MS), onde vivem 9 mil índios. Os documentos da Funai e da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) mostram falhas do poder público no tratamento da questão indígena em várias escalas, do nível municipal ao federal. A atuação dos governos junto aos índios é ''múltipla e descoordenada'', sem unificação das ações dos ministérios, secretarias, fundações, governo estadual, municipal, ONG's e iniciativas pessoais.

O relatório preparado pelo Grupo de Trabalho foi redigido no fim de março. No documento, os especialistas dizem que do ponto de vista epidemiológico, a desnutrição, a cobertura da vigilância nutricional e a mortalidade infantil tiveram ''agravamento'' em comparação com o ano de 2003. A ''desestruturação'' da equipe de saúde teve ''crise importante'' que se refletiu na redução da cobertura e na diminuição da capacidade do sistema de recuperar os desnutridos, diz o documento.

O abastecimento de água é precário na região habitada pelos índios e parcela expressiva das residências não tem saneamento básico satisfatório. Na quarta-feira, dois especialistas que participaram do grupo de trabalho alertaram para a ameaça de risco de epidemias entre os índios de Dourados, em função da falta de saneamento básico.

A distribuição de cestas básicas na região não é feita pelo critério de risco, para atender as famílias com crianças na faixa de baixo peso, denuncia o relatório da Funai. Esta deficiência fez surgir a necessidade de criação do Centro de Recuperação dos Desnutridos que não deveria existir, segundo os especialistas que redigiram o relatório.

Os técnicos da Funai filmaram cartões de saúde das crianças indígenas, mostrando que os agentes de saúde do governo federal tinham conhecimento sobre a perda de peso e a desnutrição. A comida, no entanto, não chegava para todas as crianças necessitadas. O relatório da Funai diz textualmente que a Funasa ''parece não considerar bom o atendimento aos desnutridos internados''.

Os especialistas da Funai constataram que as áreas indígenas estão evoluindo para uma ''degradação ambiental''. As comunidades indígenas já não conseguem sobreviver do extrativismo ou da agricultura. Existem diferenças sociais entre os índios e os que têm mais terras arrendam para os plantadores de soja.

O projeto Fome Zero não teve ''maturação suficiente'' na região. Nos domicílios visitados pela Funai, as deficiências na execução do projeto se mostraram de forma clara. Os especialistas que viajaram a Dourados concluíram que a desnutrição indígena tem origem na ''pressão fundiária'' e na desestruturação social sobre os guaranis-kaiowá, causada pela expansão agropecuária não indígena. Isto tudo levou os índios a viverem num contexto ''semi-urbano'', isolados em pequenas ilhas, com pouca oferta de elementos de subsistência e com alta concentração demográfica.

As fontes de água estão contaminadas pelos defensivos agrícolas. A Funai encontrou ainda ''baixa efetividade'' nos programas habitacionais. São casas construídas ''parcialmente'' ou com falhas na estrutura, com a segurança da família comprometida e com fossas abertas. Várias famílias vivem sob lonas.

O relatório denuncia as ''injunções políticas'', que tiveram influência negativa na comunidade indígena. Os programas Fome Zero e de Água 100% na região apresentam sérios problemas em seu desenvolvimento, concluem os técnicos.