O Estado de S. Paulo, n. 46577, 26/04/2021. Política, p. A7

Análise: O Supremo Tribunal Federal como alvo de muitas flechas

Lenio Streck


Aprende-se na faculdade que não existe direito (e Justiça) sem o devido processo legal. Violado o processo, nada resta. É o óbvio. Ululante. O professor de direito Joaquim Falcão não pensa assim. Ele apoiou projeto das Dez Medidas que introduzia prova ilícita de boa-fé e mutilava o habeas corpus. Na verdade, quando Falcão, no Estadão do dia 23 de abril de 2021, critica a decisão do STF por anular os processos de Lula, comporta-se como um médico que faz passeata contra antibióticos. Um jurista que odeia o Direito.

Ele pergunta: Lula cometeu crime? Bom, ele, como professor e meu colega de academia de Direito Constitucional, deveria saber que crime tem conceito e que alguém só comete crime se existe processo legal. O STF cumpriu a lei. Moro foi parcial e incompetente. Fosse na Alemanha, Moro estaria enquadrado por prevaricação (artigo 339 do Código Penal). Eis a resposta, Professor. Falcão é reincidente. Em 25 de janeiro de 2018, já dizia, ao elogiar os atropelos da Lava Jato, que “temos direitos demais”. Sim, “direitos demais”. Já então o médico se queixava do avanço da medicina. Um professor de Direito deve saber o que é o devido processo legal. Sem um juiz imparcial, tudo fica nulo. Juiz natural e imparcial são coisas sagradas que só hereges do Direito contestam.

Falcão acusa duramente o STF de “se ocultar em debates processuais”. Mas não é para isso que serve uma Suprema Corte, professor? Ou juiz natural e imparcialidade seriam “filigranas”, como diz Dallagnol? Quando um professor de Direito rebaixa o Direito à “ocultação de debates processuais” é porque, para ele, os fins justificam os meios. E isso não é direito! Isto é: primeiro atira a flecha e depois pinta o alvo. Assim, Falcão nunca erra. O STF é um alvo fácil, certo? Não, Professor: o STF não tem de responder se houve ilícito; tem de zelar para que aquele que deve dizer se houve ilícito não cometa ilícitos. De novo o óbvio. Juristas abominando garantias processuais é indicativo do fracasso do ensino. Talvez por causa de professores que detestam o que ensinam: Direito.

Professor de Direito e membro da Academia Brasileira de Direito Constitucional