O Estado de S. Paulo, n. 46574, 23/04/2021. Internacional, p. A8

Análise: Em cúpula, Biden mostra liderança, e Bolsonaro, inércia

Hussein Kalout


Após o hiato das grandes concertações multilaterais durante o mandarinato de Donald Trump, os EUA retornaram ao palco internacional naquilo que será o mais importante assunto das próximas gerações. O Brasil, por sua vez, que tinha tudo para desempenhar um papel-chave, estreou na era Biden com status de pária ambiental e descapitalizado moral e politicamente.

O discurso do presidente americano foi objetivo e endereçou o tema em consonância com o seu discurso de campanha, convocando os países a se aterem aos seus compromissos ambientais, especialmente na redução do desmatamento, da emissão de gases na atmosfera e no emprego da tecnologia para o desenvolvimento sustentável.

Já o discurso do presidente brasileiro foi baseado em um emaranhado de argumentos que demonstram que seu governo segue em sua costumeira toada de se colocar na defensiva de lançar promessas sem direção. O discurso trouxe à baila os avanços logrados pelo Brasil nas últimas décadas, com as metas de governos passados – e cuja contribuição de seu governo é negativa. À par da verborragia burocrática empregada no discurso, resta saber se o inquilino do Planalto e o seu ministro do Meio Ambiente acreditam em uma única palavra do que foi dito.

O presidente brasileiro ainda não percebeu que a Amazônia se tornou maior do que o Brasil nas discussões ambientais. Trata-se de um perigo estratégico incomensurável. Perdida em narrativas esquálidas e descontroladas, a política ambiental brasileira põe em risco os interesses econômicos, comerciais, a geração de emprego e a proteção dos povos tradicionais da região amazônica.

A promessa de Bolsonaro de zerar o desmatamento ilegal até 2030 é um compromisso inexequível dada a realidade e a prática política de seu governo. A inércia e o desmonte ontológico da capacidade operacional e do aparato de inteligência ambiental, após décadas de avanço, tornam vulnerável qualquer promessa. O discurso de Bolsonaro dá mostras de que ainda não saímos da distopia onde a “boiada” segue dando as cartas. As pretensões lançadas pelo governo brasileiro não têm como serem cumpridas enquanto não se restaurar o papel do Ibama e do ICMBio como órgãos vitais de combate à devastação da floresta. A política ambiental de Bolsonaro (ou falta dela) subtraiu do Brasil a sua principal arma no tabuleiro climático mundial: a condição de liderar.

Fica difícil acreditar na validade das promessas de Bolsonaro. Enquanto existir a diplomacia da boiada, a capacidade do Brasil de ser visto como uma potência climática e como construtor de uma nova ordem internacional ambiental é irreal. Com ação, liderança e metas concretas, Biden consolida o papel dos EUA na construção de uma nova doutrina geopolítica que governará o futuro das mudanças climáticas. Já Bolsonaro não teve, infelizmente, a força e a capacidade de tirar o Brasil da condição de vilão mundial do meio ambiente.

É Cientista Político, Professor e Pesquisador da Universidade Harvard