O Globo, n. 31599, 11/02/2020. País, p. 9

Cabral envolve Adriana Ancelmo pela 1ª vez

Juliana Castro


Em seu primeiro depoimento à Justiça como delator, o ex-governador do Rio Sérgio Cabral confirmou, pela primeira vez, que sua mulher, a advogada Adriana Ancelmo, sabia da existência de seu “caixa paralelo” formado a partir do recebimento de propinas. Até então, Cabral tentava isentar Adriana de culpa. A mudança de posicionamento ocorre após o acordo de delação assinado com a Polícia Federal ter sido homologado pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), mesmo a contragosto do Ministério Público Federal (MPF). A defesa de Adriana considerou o depoimento “impossível de ser levado a sério”.

Cabral, preso em Bangu 8, e Adriana, em liberdade com uma tornozeleira eletrônica, seguem casados. A ex-primeira-dama faz visitas semanais ao marido. Segundo o ex-governador, Adriana desconhecia as contas no exterior, mas sabia do recebimento de recursos ilícitos.

— Nunca abri para ela (as contas no exterior), nem para nenhum filho, ex-mulher, ninguém. Era um cuidado que eu tinha. Só o Carlos Miranda (operador e delator) e eu sabíamos os nomes e valores das contas. Ela (Adriana) sabia que eu tinha um paralelo, sabia que meus gastos eram incompatíveis coma minha receita formal — afirmou o ex-governador ao juiz Marcelo Bretas.

Ele disse ainda que a mulher “usufruiu” largamente desse caixa e confirmou as acusações dos procuradores. Segundo o MPF, Cabral ocultou cerca de R$ 4 milhões desviados coma ajudado empresário Italo Garritano, dono da rede de restaurante japonês Manekineko — R$3,1 milhões apurados nesta ação e quase R$ 1 milhão de outro processo. O esquema teria ocorrido por meio do escritório de advocacia de Adriana Ancelmo entre 2014 e 2016.

— Eu confirmo a emissão de notas fiscais por parte do escritório da minha mulher, Adriana, par acolhere atendera demanda dessa empresa com recursos de valores indevidos obtidos por mim.

O MPF aponta que o dinheiro em espécie oriundo das propinas para Cabral era usado para pagar funcionários dos restaurantes de Garritano. O Manekineko, então, pagava por meio do banco ao escritório de Adriana o mesmo valor. Eram emitidas notas fiscais para simular serviços advocatícios que não eram realizados apenas para justificar as transações. O esquema favoreceria o escritório, que dava a aparência de licitude à propina, e a rede de restaurantes, que fugia do pagamento de encargos e minimizava o prejuízo de eventuais ações trabalhistas.

O pleito para que o esquema fosse colocado em prática, segundo Cabral, foi levado pela própria Adriana que, por sua vez, recebeu a demanda do sócio, Thiago Aragão. Apesar de envolver a mulher no esquema de lavagem de dinheiro, o ex-governador declarou que Adriana “nunca sentou com nenhum fornecedor” do estado.

Ouvida na mesma audiência, Adriana reafirmou o que já havia declarado num processo anterior, em que negou o esquema de uso de seu escritório para lavar dinheiro e afirmou que a relação com a rede de restaurantes envolvia prestação de serviços. Em nota, o advogado de Adriana, Alexandre Lopes, atribuiu as declarações de Cabral ao desespero diante das condenações, que somam 282 anos.

“Não vejo como possível levar a sério esse novo depoimento de Sérgio Cabral. Se ele sequer mencionou o fato à Polícia Federal, ao que se sabe, em sua delação, passa-se a ideia de que o ex-governador quer se posicionar como um colaborador da Justiça, confessando tudo o que lhe for perguntado, a fim de auferir benefícios que nem mesmo o Supremo Tribunal Federal concedeu. Parece desespero pelos quase 300 anos de pena já impingida”, diz a nota.

Garritano confirmou no depoimento que repassava, por meio do pagamento de boleto, dinheiro ao escritório de Adriana para que eles pagassem os funcionários de seus restaurantes. Isso para evitar, como vinha ocorrendo, que a rede fosse alvo demais ações trabalhistas por contados pagamentos feitos“por fora” dos salários dos empregados. E lenão admitiu, no entanto, que o mecanismo servia para lavar dinheiro do esquema Cabral. Ex-sócio de Adriana, Thiago Aragão disse em seu depoimento que houve pagamento superior ao serviço prestado.

Cláudio Lopes vira réu

O Órgão Especial do Tribunal de Justiçado Rio aceitou ontem, por unanimidade, a denúncia contra o ex-procurador-geral de Justiça do Rio Cláudio Lopes, acusado de corrupção passiva, quadrilha e violação de sigilo funcional. Assim como ele, vão responder ao processo Cabral; o ex secretário de Governo Wilson Carlos; e Sérgio de Castro Oliveira, o Serjão, um dos operadores de Cabral.

O Ministério Público apresentou a denúncia em que acusa Lopes de receber R$ 7,2 milhões em propina para “blindar” a organização criminosa citada de investigações no órgão comandado por ele.