O Globo, n. 31597, 09/02/2020. Opinião, p. 2

O fundo do poço

Merval Pereira


O vídeo em que o jornalista Alexandre Garcia sugere que uma troca de população entre Brasil e Japão faria com que os japoneses transformassem o Brasil em potência mundial, e os brasileiros estragariam o Japão, só viralizou porque o presidente Bolsonaro avalizou, compartilhando-o em suas redes sociais.

O melhor do Brasil é o brasileiro, ou é o brasileiro que prejudica o desenvolvimento do Brasil? A questão é outra, a meu ver: a diferença educacional dos países mais desenvolvidos. Os especialistas lembram que as escolas do Brasil são historicamente deficientes. Em 1850, 90% da população dos EUA estavam alfabetizados e no Brasil, naquele ano, tínhamos 90% de analfabetos. O Chile, em 30 anos, aumentou a produtividade graças à educação, a Malásia e a China vão na mesma direção. A Coreia do Sul deu ênfase à tecnologia, e hoje precisamos de mais de três brasileiros para produzir o que um coreano produz, quando em 1980 estávamos no mesmo patamar. Na mesma época, eram precisos dez chineses para produzir o que um brasileiro produzia, já em 2010 bastava um chinês, e hoje um brasileiro já não produz o mesmo que um chinês.

A correlação entre escolaridade e renda foi constatada em trabalhos científicos na década de 1950, quem estuda mais, ganha mais. A diferença entre a produtividade de um empregado nos Estados Unidos e no Brasil — uma hora trabalhada por um brasileiro produz 1/5 que a de um americano— é explicada em boa parte pelo atraso da educação. Os especialistas são unânimes em afirmar que nunca houve no Brasil uma educação de qualidade para todos. De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Japão é o país com o maior nível de igualdade na educação, e apenas 9% da variação de desempenho entre os alunos são ocasionados por diferenças socioeconômicas. O Japão tem um dos menores índices de evasão escolar: 96,7% dos jovens terminam o ensino médio, quando a média nos países analisados pela OCDE é de 76%, e no Brasil, é de 46%. A importância dada aos professores é uma das explicações para os bons resultados.

Assim como a distribuição de professores para diversas áreas do país, criando equilíbrio no nível de ensino. Professores mais experientes são enviados a locais menos desenvolvidos. O ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso considera que a educação é dos principais itens de uma “verdadeira agenda patriótica”. Ele escreveu no último número da revista acadêmica “Direitos Fundamentais e Justiça”, da PUC/RS, o artigo “Educação Básica no Brasil: Do Atraso Prolongado à Conquista do Futuro”, com base em estudos e contatos com diversos especialistas em educação. Como a universalização da educação básica no Brasil “se deu com grande atraso, um século depois dos EUA”, mesmo com o progresso da inclusão nas últimas décadas, os problemas ainda são dramáticos: a escolaridade média é de 7,8 anos, inferior à média do Mercosul (8,6 anos) e do Brics (8,8 anos).

Um dos “pontos nevrálgicos” é a pouca atratividade da carreira do magistério. “É preciso tratar o magistério como uma das profissões mais importantes do país, elevar a capacitação dos professores e aumentar a atratividade da carreira, com incentivos de naturezas diversas”, afirma Barroso.

A ampliação do tempo de permanência na escola de cinco para oito horas é providência reconhecida como decisiva para o avanço da educação básica, diz ele. “Os Estados da Federação que adotaram programas de escolas em tempo integral, como Espírito Santo e Pernambuco, destacaram-se nos resultados do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica)”. Segundo Luís Roberto Barroso, documentos do Banco Mundial e pesquisadores reconhecidos internacionalmente atestam que o principal investimento a ser feito em educação básica é “a partir das primeiras semanas de vida da criança. Nessa fase, o cérebro é uma esponja que absorve todas as informações que lhe são transmitidas”.

Pesquisas indicam que as boas creches contribuem de maneira significativa para o desenvolvimento do potencial das crianças,assegurando que recebam nutrição adequada, afeto, respeito, valores e conhecimentos básicos. Como se vê, não é preciso mudar o povo para transformar o Brasil em potência mundial. Depende de nós, como aliás disse Alexandre Garcia no final de sua palestra. Enquanto o ministro da Educação considerar que é a ideologia que atrapalha o país, não sairemos da situação em que estamos, o fundo do poço, como ele mesmo definiu.