O Globo, n. 31574, 17/01/2020. Sociedade, p. 24

Base na Antártica foi erguida em área contaminada

Renato Grandelle
Elcio Braga


Debaixo dos laboratórios de ponta da Estação Comandante Ferraz, a nova base científica brasileira na Antártica, repousam poluentes das antigas instalações, destruídas por um incêndio em fevereiro de 2012.

Uma análise encomendada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) à Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) estima que, sob a construção recém-inaugurada, existam cerca de 7 mil metros cúbicos — volume que preencheria três piscinas olímpicas — de sedimentos contaminados.

As substâncias estão dispersas em uma área de 8 mil m² e são encontradas na superfície ou a até três metros de profundidade.

Técnicos da Cetesb foram oito vezes ao continente gelado desde a explosão da base, que ocorreu em uma operação de transferência de combustível. A última visita foi em janeiro de 2019. O objetivo era coletar amostras de compostos orgânicos presentes no óleo diesel, principal responsável pela contaminação do solo.

Sem prazo para a limpeza

As substâncias foram estudadas, e sua área já é conhecida, mas poucas ações foram tomadas para retirar os poluentes. O governo federal ainda não definiu que método será usado para decompor o óleo, nem fixou um prazo para iniciar qualquer projeto com esta finalidade.

Patricia Iglesias, presidente da Cetesb, assinala que a companhia fez relatórios após cada operação, entregando o material ao Ministério do Meio Ambiente (MMA).

— Fizemos um trabalho contínuo para detectar os compostos presentes no óleo e investigar toda a área afetada pelo incêndio — explica.

— Agora, cabe ao governo acionar um plano de intervenção, que fará a limpeza do solo.

Segundo Patricia, é possível que a região com poluentes no solo seja ainda maior, abrangendo também o entorno dos contêineres para onde foram levadas as pesquisas não destruídas pelo fogo. Ainda assim, ela acredita que os cientistas não deveriam interromper os seus trabalhos:

— Seria contraproducente parar tudo. Já havíamos identificado os locais mais críticos.

O Globo pediu acesso aos relatórios, mas a Cetesb afirmou que a solicitação deveria ser encaminhada ao MMA, para quem a companhia prestou contas no trabalho de cooperação. A pasta não forneceu os documentos até o fechamento desta reportagem.

Ameaça a biodiversidade

O plano de intervenção, porém, ainda não foi formulado. Segundo Luiz Ernesto Trein, analista ambiental do Ibama, os esforços foram destinados à construção da nova estação, erguida sobre sua antecessora:

— A área contaminada está localizada exatamente onde foi construída a nova estação, junto ao canteiro de obras. Não havia condições de tomarmos iniciativas de intervenção no subsolo nesse período.

A nova estação foi construída em uma estrutura elevada, portanto o solo contaminado ainda é acessível. O Ibama consultou universidades sobre técnicas de biorremediação, ou seja, uso de organismos vivos para remover o óleo. Mas ainda não decidiu a estratégia a ser usada, já que a Antártica tem um ecossistema frágil e peculiar.

— Precisamos pesquisar que tipo de micro-organismo é o mais indicado para degradar o óleo. Na Antártica, há uma série de restrições sobre qual organismo devemos acolher — explica Trein.

O Ibama cogita usar produtos químicos ricos em nitrogênio, como o fosfato e o potássio. Eles agiriam como “adubos”, facilitando o crescimento de micro-organismos capazes de destruir o óleo sem prejudicar o meio ambiente. Também é possível que o governo recorra à colaboração internacional.

Em nota, a Marinha, que mantém representantes na base, afirmou que, em 2014, iniciou um “grande esforço logístico para a adequada limpeza da região e remoção de resíduos” com o Ibama e a Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ).

“Análises recentes indicaram melhoria da qualidade do solo e a redução dos níveis de contaminação aos limites permitidos pelas normas ambientais”, acrescenta a Marinha. “Além disso, ao longo de toda a obra, o solo da área diretamente afetada não foi misturado com o das demais áreas da construção”, continua.

Helena Spiritus, bióloga do Greenpeace, alerta que a Antártica “não é só gelo”, mas um ambiente rico em biodiversidade e com um “frágil equilíbrio”, inclusive na cadeia alimentar, o que pode afetar animais como baleias, focas e pinguins:

— Para remediar o derramamento de óleo ou de diesel, parte do solo teria que ser retirado, e isso, por si só, já é um impacto no ecossistema.

“Fizemos um trabalho contínuo para detectar os compostos presentes no óleo e investigar toda a área afetada pelo incêndio.”

Patricia Iglesias, presidente da Cetesb

“A área contaminada está localizada exatamente onde foi construída a nova estação, junto ao canteiro de obras. Não havia condições de tomarmos iniciativas de intervenção no subsolo nesse período.”

Luiz Ernesto Trein, analista do Ibama