O Estado de S. Paulo, n. 46560, 09/04/2021. Metrópole, p. A16

Ordenada prisão de vereador acusado de tortura e morte de enteado no Rio

Caio Sartori
Wilson Tosta
Fábio Grellet


Policiais da 16.ª DP, na Barra da Tijuca, prenderam na manhã de ontem o vereador da capital fluminense Jairo Souza Santos Júnior, o Dr. Jairinho, e a namorada, com quem vivia, a professora Monique Medeiros da Costa e Silva. As prisões temporárias ocorreram no inquérito que apura a morte do filho dela, Henry Borel, de 4 anos, em 8 de março.

As autoridades sustentam que o menino morreu após ser torturado pelo político, que era seu padrasto. Capturado em Bangu, na zona oeste, o casal ficará preso, inicialmente, por 30 dias. Segundo os policiais, os dois atrapalhavam as investigações, intimidando testemunhas e combinando versões, o que motivou o pedido dos investigadores e a decisão da Justiça.

Dr. Jairinho e Monique são suspeitos de cometer homicídio duplamente qualificado, com emprego de tortura e sem possibilidade de defesa da vítima. Ainda não houve denúncia. Em depoimento à polícia durante a apuração, o casal alegou que vivia em harmonia familiar com o menino. Não citou nenhum tipo de agressão e disse que existia na casa uma rotina de afeto. A partir das investigações, percebeu-se, segundo os policiais, que essa versão seria mentirosa. Henry seria frequentemente agredido.

Henry havia sido deixado pelo pai, Leniel Borel de Almeida, na casa de Monique e Jairinho, na Barra da Tijuca, por volta das 19h30 de 7 de março. O menino não tinha nenhum tipo de lesão. Poucas horas depois, chegou morto ao hospital. Apenas o casal esteve com a criança.

Celulares. Na casa da Barra da Tijuca, ontem, a delegada Ana Carolina Medeiros, que conduziu a operação, disse que o casal tentou se desfazer dos celulares quando a polícia chegou à residência, na zona oeste do Rio. Os aparelhos, contudo, foram resgatados pelos agentes. A polícia suspeita que, entre os dias 7 e 8 de março, o garoto tenha sido submetido a uma sessão de tortura com o conhecimento de Monique. Aos policiais, em depoimentos no inquérito, o casal afirmou acreditar que o menino tivesse se ferido sozinho, em uma queda. Os ferimentos, contudo, não são compatíveis com essa hipótese – dão margem à suspeita de espancamento.

Henry morreu no Hospital Barra D’Or, na Barra da Tijuca, na madrugada do dia 8 de março. Foi levado para lá pelo casal, que alegava tê-lo encontrado desmaiado no quarto. O menino estaria com olhos revirados, pés e mãos geladas e dificuldades para respirar. Segundo os médicos, já chegou em parada cardiorrespiratória. Não foi possível reanimá-lo.

Depois da morte, Dr. Jairinho telefonou para o governador em exercício, Claudio Castro (PSC), e relatou o ocorrido, segundo o jornal O Globo. Castro afirmou ter dito que o caso seria investigado pelas autoridades, sem interferências. Há relatos de que o vereador teria procurado outras autoridades, tentando influir nas investigações. Ainda na madrugada da morte, o político tentou a liberação rápida do corpo, sem passar pelo Instituto Médico-Legal.

Conversas. Para os policiais que investigam o caso, conversas registradas em um aparelho telefônico mostram que a babá de Henry relatou as agressões à patroa, que teria mentido em depoimento à polícia. Os policiais acreditam que, após a morte, a babá foi pressionada para se omitir. Responsável pelo caso, o delegado Henrique Damasceno descartou que Monique tenha sofrido qualquer tipo de ameaça do namorado. A seu ver, ela era, provavelmente, uma aliada dele. “Se eu tivesse percebido qualquer tipo de coação, não teria pedido a prisão dela”, apontou o delegado.

Empossado no Conselho de Ética da Câmara Municipal poucos dias após a morte de Henry, o Dr. Jairinho foi afastado ontem do cargo, depois de preso no inquérito que investiga o caso. Ele foi eleito para o órgão quatro dias antes da morte da criança. As bancadas do PT e do PSOL vão pedir à Justiça que o vereador seja imediatamente afastado do mandato.

A Câmara Municipal do Rio anunciou que ele teve o salário suspenso e ficará formalmente afastado do mandato a partir do trigésimo primeiro dia, segundo o Regimento Interno da Casa. A Câmara também prometeu “celeridade” para o caso no Comitê de Ética. Seu partido, o Solidariedade, informou em nota que a executiva nacional da legenda encaminhou a seu Conselho de Ética um pedido de “expulsão sumária” do acusado.

Defesa. O Estadão não conseguiu contato com a defesa dos acusados. Mas o advogado André França Barreto, defensor de Jairinnho e Monique, afirmou que, na 16.ª DP, o casal negou as acusações. Ele também negou que ambos pretendessem fugir.

Afastamento

"Fui voto vencido. Mas vou continuar batalhando para alterar esta regra absurda, que diz que o preso só pode ser afastado depois de um mês."

Teresa Bergher (Cidadania)

Vereadora, sobre afastamento da Câmara Municipal

Perguntas & Respostas

Múltiplos sinais de trauma

1. Quais foram os ferimentos encontrados em Henry após a morte?

Henry morreu no Hospital Barra D'Or, na Barra da Tijuca. Foi levado para lá pelo casal, que alegava tê-lo encontrado desmaiado no quarto onde a criança dormia. O menino estaria com olhos revirados, pés e mãos geladas e dificuldades para respirar. Segundo os médicos, o garoto já chegou ao estabelecimento em parada cardiorrespiratória. No Instituto Médico-Legal, a necropsia constatou múltiplos sinais de trauma, como equimoses, hemorragia interna e ferimentos no fígado, típicos de agressão. A polícia suspeita que Henry tenha morrido depois de ser submetido por Dr. Jairinho a uma sessão de torturas, com o conhecimento de Monique. À polícia, o casal afirmou suspeitar que o menino tivesse se ferido em uma queda. Os ferimentos, contudo, não são compatíveis com isso.

2. Que elementos ligam Dr. Jairinho aos ferimentos?

Os investigadores dizem que o político cometia agressões periódicas contra a criança. Um dos elementos apontados no inquérito são as conversas registradas em um aparelho telefônico que mostram o relato feito pela babá à patroa sobre as agressões.

3. Qual o papel da mãe?

Na versão apurada até agora pelos investigadores, a mãe seria uma aliada na prática dos crimes do vereador.