O Globo, n. 31605, 17/02/2020. País, p. 6

Bolsonaro e Crivella, um relacionamento aberto

Juliana Castro
Maiá Menezes


Ainda nas preliminares das eleições municipais, o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) tem ganhado prestígio com o presidente Jair Bolsonaro. As sucessivas aparições dos dois lado a lado, no entanto, estão longe de significarem respaldo explícito do presidente à reeleição da atual gestão carioca. Segundo aliados do prefeito e os que circulam pelo meio político, no entanto, mesmo que Bolsonaro não apoie oficialmente nenhum candidato, uma das hipóteses mais fortes até agora, o fato de ele e Crivella aparecerem juntos já é um aceno para os eleitores conservadores e bolsonaristas.

— Existe uma afinidade. Há um pensamento conservador forte — afirma Rodrigo Bethlem, ex-secretário de Eduardo Paes na prefeitura, que tem atuado como uma espécie de conselheiro de Crivella, acrescentando, sobre Bolsonaro.

— O importante são os gestos, e eles são claros.

No último sábado, os dois estiveram junto sem dois eventos: a inauguração da ligação da Ponte Rio-Niterói coma Linha Vermelha e a comemoração dos 40 anos da Igreja Internacional da Graça de Deus, do missionário R. R. Soares. Nesse último, Bolsonaro estava no palco com o prefeito e saiu de seu lugar para abraçar Crivella quando tocava a música evangélica com o sugestivo nome de “A volta da vitória”.

Sacolejando os braços, os dois rodopiaram enquanto R. R. Soares cantarolava o refrão: “Oh glória, nós damos glória, e vamos todos dar a volta da vitória!”. Tudo diante de milhares de evangélicos, segmento religioso do qual o presidente tem buscado se aproximar com agendas e medidas, conforme O GLOBO publicou ontem. O prefeito já havia recepcionado o presidente na chegada dele ao Rio e chegou a ser chamado por ele de “Crivellão”.

— Assim, mesmo sem apoio oficial, Crivella vai ganhando energia entre os bolsonaristas — avaliou um assessor, chamando a estratégia de “neutralidade relativa”.

O prefeito tem buscado aproximação não apenas diretamente com o presidente, mas também com parlamentares bolsonaristas, que têm sido convidados para a agenda de Crivella. Esse movimento fez correr nos bastidores a informação de que o prefeito gostaria de ter a deputada estadual Alana Passos (PSL) como sua vice na chapa. Ela foi a única deputada estadual convidada a participar da reunião entre Bolsonaro, Crivella e secretários municipais, em janeiro.

Há, no entanto, dificuldades para o plano de ter Alana ou outro bolsonarista parlamentar na aliança: eles não podem sair do PSL sob pena de perder o mandato, e o partido tampouco quer expulsá-los. Para os aliados do prefeito, outro fator que ajuda na aproximação de Crivella com Bolsonaro foi a nomeação de Gutemberg Fonseca, próximo do presidente e do senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), para a Secretaria Municipal de Ordem Pública. Nos bastidores, são listados outros motivos que fariamBol sonar o embarcar oficialmente na campanha do prefeito: o fortalecimento de candidatura apoiada pelo governador Wilson Witzel (PSC), agora adversário político, e eventual crescimento do deputado federal Marcelo Freixo (PSOL).

Apesar desses palpites, a aposta mais forte é que Bolsonaro prefira a neutralidade. Crivella tem como um dos desafios reduzir sua rejeição. Segundo pesquisa do Datafolha encomendada pelo GLOBO e pela “Folha de S.Paulo”, a gestão de Crivella é reprovada por 72% da população.

Analítico: a aproximação e o plebiscito na eleição do Rio

Se havia alguma dúvida, a imagem da dança animada do prefeito Marcelo Crivella e do presidente Jair Bolsonaro ontem durante evento religioso no Rio esclareceu: a eleição de outubro na cidade pode ser nacionalizada. Pré-candidato assumido à reeleição, Crivella vem cortejando o presidente. Andam em trilhas semelhantes no que diz respeito ao conservadorismo. E Bolsonaro, depois de deixar o PSL e romper com o governador Wilson Witzel, chamou o prefeito para dançar. Faz parte da estratégia dele de crescer sua popularidade junto aos evangélicos.

Crivella não à toa estava eufórico. Será uma eleição de muitos candidatos. Ganha fôlego para um segundo turno. Mas Bolsonaro vai comprar um plebiscito em seu berço político sobre sua performance como presidente. É jogada de risco.

No palco, uma presença surpreendente. O juiz Marcelo Bretas, responsável pelos processos da Lava-Jato no Rio, ensaiou uns passos de dança da música gospel. Uma cadeira atrás de Bolsonaro, e diante de Crivella. Bretas também é evangélico. Foi ele quem condenou, em janeiro do ano passado, Alexandre Pinto, ex-secretário de Obras de Eduardo Paes, a 22 anos de prisão. Paes é, como Crivella, pré-candidato à reeleição.