O Globo, n. 31572, 15/01/2020. Economia, p. 21

Para repor a inflação

Marcello Corrêa
Daniel Gullino


Em uma decisão política, o presidente Jair Bolsonaro resolveu conceder novo reajuste do salário mínimo e corrigir a defasagem que fez com que o aumento anterior, fixado no fim de dezembro, ficasse abaixo da inflação. A partir de fevereiro, o piso nacional passará de R$ 1.039 para R$1.045. O anúncio foi feito ontem pelo próprio Bolsonaro a jornalistas, após reunião com o ministro da Economia, Paulo Guedes.

No dia 31 de dezembro, Bolsonaro editou medida provisória (MP) que fixou o mínimo em R$ 1.039, uma alta de 4,1% em relação aos R$ 998 do ano passado. O cálculo levou em consideração a projeção mais recente para a inflação medida pelo INPC. O indicador, no entanto, acabou fechando o ano em 4,48%, por causa da alta de preços da carne no fim de 2019.

Poder de compra

A defasagem criou problemas para a imagem do governo, principalmente porque os benefícios de aposentados que ganham mais que um salário mínimo foram reajustados integralmente pela inflação. Isso ocorreu porque os valores foram informados após a divulgação do INPC. Na prática, esse desenho faria com que os mais ricos recebessem um aumento superior aos dos mais pobres. Segundo interlocutores de Guedes, essa situação seria contrária à diretriz do governo.

A decisão de conceder novo reajuste terá impacto de R$ 2,13 bilhões aos cofres públicos neste ano. O custo extra ocorre porque o piso nacional é a referência para uma série de benefícios pagos pelo governo, como abono salarial, benefícios pagos a idosos carentes e aposentadorias de até um salário mínimo.

Embora pudesse deixar a correção para o Congresso, Bolsonaro buscou reforçar uma mensagem de que a ideia partiu do governo. Depois de receber Guedes no Palácio do Planalto, o presidente foi ao Ministério da Economia para nova conversa com o ministro. Em seguida, fez o anúncio à imprensa.

— Tivemos uma inflação atípica em dezembro, não esperávamos que fosse tão alta assim, foi culpa basicamente da carne, e tínhamos que fazer com que o valor do salário mínimo fosse mantido. Então, ele passa, via medida provisória, de R$ 1.039 para R$1.045,apart ir de1º de fevereiro —disse o presidente.

É a primeira vez em oito anos que o piso nacional é definido sem uma política de salário mínimo. Entre 2012 e 2019, vigoraram duas leis editadas no governo Dilma Rousseff, que previam que o salário seria reajustado pela inflação mais avariação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos anteriores. Esse desenho permitiu que o mínimo tivesse ganhos reais nos momentos de crescimento econômico.

Além disso, a legislação dava segurança jurídica para lidar com uma situação como a deste ano, em que a inflação projetada é diferente do índice oficial. O texto previa que, caso a projeção não fosse confirmada, a diferença seria compensada no ano seguinte.

Foi exatamente o que ocorreu entre 2019 e 2020. No ano passado, o INPC também surpreendeu para cima e fez com que o salário mínimo recebesse reajuste menor que o devido. A diretriz da antiga política obrigou Bolso na roa corrigira compensação. O primeiro reajuste, fixa doem dezembro, embutia esse ganho extra.

Guedes já se mostrou contrário à edição de uma nova política salarial de longo prazo. Em dezembro, em entrevista à imprensa, o ministro criticou o dispositivo do governo petista e disse que o governo não precisava de “demagogia ”, mas apenas preservar o poder aquisitivo do salário, como consta na Constituição.

— Quando a gente pensa em política salarial, não fazemos demagogia. No momento, estou olhando para a cláusula constitucional — disse Guedes, na ocasião.

Sem determinação legal, caberá a decisões de governo fazer as compensações, caso a inflação oficial fique acima do projetado no fim do ano. Embora a Constituição determine a manutenção do poder de compra, técnicos da equipe econômica afirmam que o entendimentodo Supremo é que um reajuste com base na projeção mais recente possível é suficiente para atender à regra constitucional.

Receita extra de R$ 8 bi

Ao lado do presidente, Guedes frisou a mensagem de que Bolsonaro buscou preservar o poder de compra da população:

— No ano passado, como a inflação veio um pouco acima, ficou R$ 2 abaixo o ano inteiro. Para não repetir isso, o presidente falou: “Não, vamos então corrigir já a partir de fevereiro, não vamos deixar acontecer.”

A avaliação da equipe técnica era que seria possível fazer a correção só em 2021. Essa ideia chegou a ser discutida entre assessores de Guedes, mas foi descartada.

— O mais importante é o espírito que o presidente defendeu. Foi o da Carta Constitucional, que é a preservação do poder de compra do salário mínimo —frisou o ministro.

Ontem, Guedes disse que a nova despesa será compensada por uma receita adicional de R$ 8 bilhões. O ministro não quis revelar a fonte de recursos, mas frisou que não se trata de aumento de impostos:

— Prefiro não falar da natureza do ganho, porque vai ser anunciado possivelmente em mais uma semana. Nós já vamos arrecadar mais R$ 8 bilhões, não é aumento de imposto, não é nada disso.

Caso essa renda extra não se concretize, porém, é possível que haja contingenciamento de recursos no início do ano. Mas Guedes não esclareceu como a conta caberia na regra do teto de gastos, que impede que as despesas subam mais que a inflação medida até junho do ano anterior.

“Tivemos uma inflação atípica em dezembro, não esperávamos que fosse tão alta assim, foi culpa basicamente da carne, e tínhamos que fazer com que o valor do salário mínimo fosse mantido. Então, ele passa, via medida provisória, de R$ 1.039 para R$ 1.045, a partir de 1º de  fevereiro”

Jair Bolsonaro, presidente