O Globo, n. 31606, 18/02/2020. Opinião, p. 3

Artigo: para desenvolver o mercado de gás natural

Eloi Fernández y Fernández
Oswaldo Pedrosa
Reinaldo de Souza
Paula Maçaira
Edmar de Almeida


O atual governo tem apostado no potencial do gás do pré-sal para a redução do custo da energia no Brasil. Para o ministro Paulo Guedes, a retomada do crescimento sustentável passa pela reindustrialização do país, a partir do aumento da competitividade do Gás Natural (GN) ofertado às indústrias intensivas em energia. Acredita-se que o grande crescimento da produção de gás resultará em preços mais baixos devido à competição entre os produtores.

Não resta dúvida de que a produção de gás nacional vai crescer de forma acelerada. Somente no pré-sal, esta produção deve saltar de 73 milhões de metros cúbicos por dia (MMm³/dia) atualmente para 130 MMm³/ dia em 2030. Inclusive, se considerarmos o potencial inexplorado do pré-sal, a oferta potencial de gás poderá atingir patamares bem superiores aos volumes supracitados. Entretanto, existem grandes desafios para que esta produção se transforme em oferta de gás ao mercado.

O gás do pré-sal é associado ao petróleo, e os produtores têm a alternativa de reinjetar o gás nos próprios campos. Para não fazê-lo, as empresas precisam investir o equivalente a US$ 2,5 bilhões para cada rota (20 MM m3/dia) de escoamento de gás. Elas, porém, precisam de garantias de mercado antes de aprovar investimentos desta magnitude. Na ausência de um mercado claro, a decisão de reinjeção é a única alternativa. Então, é crucial destravar e organizar o mercado de gás natural para criar a alternativa da oferta comercial do gás.

O país precisa desenvolver projetos âncora para viabilizar novas rotas do pré-sal. São os contratos de compra dos projetos âncora que podem viabilizar os vultosos investimentos na infraestrutura para monetizar o gás.

A geração termelétrica é a âncora natural para viabilizar a expansão da oferta de gás, mas as térmicas só podem dar garantias firme de compra se ganharem o leilão de contratação de energia organizado pela Aneel. Neste caso, o cronograma de desenvolvimento do projeto petrolífero fica à mercê do cronograma e do resultado dos leilões.

Mesmo que ocorra uma sincronização dos processos de decisão, existe um grande risco associado ao atraso na execução dos projetos. Esse risco é uma grande desvantagem para a opção de venda de gás quando comparada à reinjeção.

Através de políticas adequadas, é possível promover o aproveitamento comercial de parcela importante da produção do pré-sal no mercado doméstico e também para exportação. Assim, a criação de terminais costeiros de usos múltiplos, envolvendo diferentes atividades, pode ser uma alternativa inovadora. Principalmente quando se leva em conta que esse volume de gás vai gerar um novo mercado onde sua competitividade será um fator determinante para estimular o consumo industrial.

Finalmente, ressalta-se que os projetos de exploração e produção do setor de petróleo do pré-sal se viabilizam com a produção do óleo e que o GN associado se condiciona à lógica técnico-econômica da produção desse óleo e que a sua oferta deve ser condicionada a uma demanda firme que seja base de sustentação de um mercado consumidor interno. Ou, inevitavelmente, deverão ser buscadas novas alternativas econômicas, entre as quais a reinjeção, que hoje já aponta para volumes que representam 80% da atual disponibilidade interna de GN, em novembro de 2019.

Eloi Fernández y Fernández ,com Oswaldo Pedrosa, Reinaldo de Souza e Paula Maçaira, os quatro professores do Instituto de Energia da PUC-Rio; e Edmar de Almeida, professor do Instituto de Economia da UFRJ e do Instituto de Energia da PUC-Rio.