Correio Braziliense, n. 21413, 01/11/2021. Política, p. 3 
 
Brasil fica isolado no G20 

Fernanda Strickland 
 
 
O presidente Jair Bolsonaro encerrou ontem sua participação na Cúpula de Líderes do G20, o grupo das 20 maiores economias do mundo, na Itália, com uma agenda "à margem" da reunião. Ele não participou do passeio de autoridades — que incluiu uma visita à Fontana de Trevi —, mas se reuniu com o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus. Enquanto a passagem do chefe do Executivo por Roma chegava ao fim sem qualquer reunião bilateral com líderes globais na agenda, jornalistas brasileiros que acompanhavam o presidente na cidade relataram agressões por parte de sua equipe de segurança. 
Como evitou compromissos oficiais, o presidente foi visto por diversas vezes passeando pela cidade italiana. Ele compartilhou nas redes sociais vídeos em que cumprimenta apoiadores em Roma. Aparece acenando pela janela e, logo em seguida, vai ao encontro do grupo, que gritava palavras de apoio ao presidente. "Agradeço imensamente a todos pela consideração", escreveu o presidente na publicação. 
Para Nauê Bernardo Pinheiro de Azevedo, cientista político e advogado, a ausência de Bolsonaro nos compromissos do evento, em suma, demonstra isolamento por parte do governo brasileiro, algo péssimo no atual contexto. "Nestes espaços, há oportunidades para conversas e estabelecimento de acordos, aproximações, criação de situações e oportunidades que podem ser benéficas a todos os países. Esse isolamento é muito ruim para o Brasil, cuja economia vem claudicante mesmo com o avanço da vacinação, fruto do descompasso político vivido no país. Estar afastado dos demais países, sobretudo daqueles que trazem consigo capacidade de consumo de produtos brasileiros, é bem ruim", criticou. 
As hostilidades a jornalistas aconteceram, conforme os relatos, antes e durante uma caminhada improvisada de Bolsonaro com apoiadores que se reuniram frente à Embaixada do Brasil. No local, o presidente acenou, da sacada, para os simpatizantes que carregavam cartazes de apoio ao governo. Depois, desceu para falar com o grupo. Durante a espera pelo presidente, uma jornalista da Folha de S.Paulo foi empurrada por seguranças e uma produtora da GloboNews foi hostilizada pelos manifestantes. 
Ao indicar que faria uma caminhada pelo bairro, Bolsonaro foi seguido por equipes de reportagem. Neste momento, jornalistas passaram a ser empurrados pelos seguranças e houve agressões. Um profissional da TV Globo disse ter recebido um soco no estômago. Os veículos que presenciaram o momento foram impedidos de gravar. O celular de um jornalista do UOL foi jogado na via. 
Repórteres do jornal O Globo e da BBC Brasil relataram agressões verbais. De acordo com o UOL, nenhum dos policiais disse se fazia parte da embaixada brasileira ou italiana ou se era de uma empresa privada. Segundo relatos de presentes, havia tanto italianos quanto brasileiros no grupo responsável pela proteção do presidente. Com a confusão, a caminhada durou pouco menos de 10 minutos e Bolsonaro voltou à embaixada. Os jornalistas estavam com credenciais e identificações no momento das agressões. 

Repercussão 

Em nota, a TV Globo condenou a agressão e cobrou "apuração completa de responsabilidades". A Folha de S.Paulo e o UOL também repudiaram o episódio. "Mais um inaceitável ataque da Presidência à imprensa profissional", registrou o jornal. A Associação Nacional de Jornais (ANJ) divulgou comunicado no qual "repudia com indignação as agressões". "A violência é consequência da postura do próprio presidente, que estimula a intolerância diante da atividade jornalística. É inadmissível que o presidente e seus agentes de segurança se voltem contra o trabalho dos jornalistas." 
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) afirmou que, "ao não condenar atos violentos de seus seguranças e apoiadores, o presidente incentiva mais ataques do gênero, em uma escalada perigosa e que pode se revelar fatal". O Palácio do Planalto não se manifestou. 
Homenagem 

Antes, em seu primeiro compromisso de domingo, Bolsonaro concedeu entrevista a uma TV italiana, na qual criticou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e disse que o petista foi financiado pelo "narcotráfico da Venezuela". Afirmou, ainda, que a Amazônia "não pega fogo". O presidente embarcou para a capital italiana na última quinta-feira. Como não participará da 26ª Conferência das Nações Unidas para a Mudança do Clima, a COP 26, a previsão é de que o presidente vá hoje para a cidade Anguillara Veneta receber um título de cidadão local. O projeto para homenagear o presidente é de autoria da prefeita Alessandra Buoso, da Liga — partido de extrema-direita. 
A decisão desagradou a políticos italianos, religiosos católicos e brasileiros que vivem na Itália. Na sexta, ativistas jogaram esterco e fizeram pichação na sede da prefeitura. O protesto foi organizado pelos ambientalistas do Rise Up 4 Climate Justice. (Com Agências) 
 
 
Queiroga: governo doará vacinas a países mais pobres 
 
 
Crítico de medidas recomendadas pela OMS para conter a pandemia de covid-19, Bolsonaro divulgou nas redes sociais um vídeo da reunião com o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom. No Twitter, Adhanom afirmou que foi discutido o potencial do Brasil para a produção local de vacinas, com o objetivo de atender países da América Latina. 
Mais cedo, em entrevista à CNN Brasil, após a reunião do G20, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse que teve um encontro com líderes da cúpula e que eles se comprometeram com o fortalecimento dos sistemas de saúde de maneira geral, não só na pandemia, mas para enfrentar outras doenças sanitárias."O Brasil certamente assumirá a sua posição de protagonista de um líder global e participará desta iniciativa para reforçar o acesso às vacinas no mundo", disse. 
Segundo Queiroga, o governo federal dará continuação a imunização em 2022 e todos os brasileiros acima de 12 anos serão contemplados. Devido a isso, o excedente poderá ser destinado à ampliação do acesso a doses em países pobres, tema que foi amplamente discutido pela cúpula do G20. "O Brasil pode participar, sim, (da doação de vacinas a países pobres). O país participa do Covax Facility e de iniciativas da OMS. Pelo Covax, investimos 150 milhões de doses e recebemos 10 milhões. Estamos trabalhando sob a orientação do presidente Bolsonaro, eu, o ministro (Paulo) Guedes e o ministro (Carlos) França, para participar mais ativamente dessas ações", pontuou o chefe da pasta da Saúde. 
A fala do ministro faz referência ao acordo Covax Facility, uma aliança internacional conduzida pela OMS, entre outras organizações, que tem o objetivo de acelerar o desenvolvimento e a produção de vacinas contra a covid-19 e garantir o acesso igualitário à imunização em todo o mundo. Mais de 150 países aderiram à iniciativa. A admissão do Brasil, que foi assinada em 25 de setembro de 2020, inclui o acesso a 42,5 milhões de doses. 
Na última sexta-feira, em apelo às 20 maiores economias do mundo, o Covax Facility pediu, em uma carta aberta, o comprometimento para a garantia de acesso global equitativo aos imunizantes contra o novo coronavírus em todo o mundo. Segundo o documento, de 1,3 bilhão de doses prometidas pelos países mais ricos ao Covax, 150 milhões de unidades foram entregues. O Brasil aderiu à iniciativa e adquiriu 42,5 milhões de vacinas, mas só recebeu 13,8 milhões até o momento. (FS)