O Globo, n. 31608, 20/02/2020. Opinião, p. 2

Artigo: luta política e segurança

Renato Sérgio de Lima


Não olhamos para o assunto como política de Estado e nos deixamos levar pelos projetos populistas de poder o Brasil, infelizmente, segurança pública é sempre uma área em permanente ebulição e dominada pela lógica das emergências e por interesses políticos. As boas notícias não se convertem em ganhos estruturais para a sociedade e para o país.

Esse é ocaso da queda de 19% nas mortes violentas do país, em 2019, divulgada pelo Monitor da Violência. O Brasil teve 41.635 vítimas de crimes violentos no ano passado. Trata-sedo menor número desde 2007, ano em que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública passou acole tardados.

A redução da violência teve início em janeiro de 2018 e ela tem sido acompanhada por disputas para se saber quem é responsável por esse movimento. Com isso, poucos reconhecem o sinal de alerta emitido no último trimestre de 2019, quando quase um terço dos estados voltou a conviver com o crescimento dos índices.

Segurança precisa ser vista como uma política pública e, enquanto tal, tem que investir no uso de tecnologias e evidências científicas que fortaleçam, articulem, valorizem e controlem o trabalho das polícias e das demais instituições da área.

O imbróglio recente em torno da ideia de recriação do Ministério da Segurança Pública (MSP), proposta por parte dos secretários estaduais de Segurança com anuência do presidente da República, é um exemplo.

Se, por um lado, a proposta de recriar o MSP não passou de uma manobra de ocasião para enfraquecer Sergio Moro, por outro lado, os secretários têm razões para reclamar. Os recursos do Fundo Nacional de Segurança, por exemplo, só foram liberados na íntegra em dezembro depois de uma decisão do Supremo Tribunal Federal.

Da mesma forma, de acordo coma sua agenda oficial, Sergio Moro recebeu apenas dois secretários estaduais de Segurança Pública em 2019. Também foram raras as reuniões do Conselho Nacional dos Secretários de Segurança Pública, que serve para articular respostas integradas de grande impacto.

Agota d’água foi o superdimensionamento que o governo federal quis dar ao seu papel na queda da violência. Tão logo foram divulgados números preliminares da queda dos crimes, Moro apressou-se em chamar para si os méritos por tais resultados. Depois de ser contestado, passou ad armais visibilidade ao mérito compartilhado com os estados.

É bem verdade que a atual gestão de Sergio Moro tem agilizado as transferências de presos perigosos para os presídios federais, bem como Jair Bolsonaro é o primeiro presidente que, mesmo equivocado nas propostas, deu prioridade à pauta da segurança — todos os anteriores diziam que o problema era dos estados e/ou delegavam o assunto aos seus ministros.

Mas isso não significa que tudo o que foi feito antes não tenha funcionado. Sem gestão do conhecimento acumulado, transparência, respeito e diálogo, tudo vira mera guerra de narrativas, e as evidências deixam de importar. E aqui entra o segundo exemplo de que não olhamos para a segurança como política de Estado e nos deixamos levar pelos projetos populistas de poder.

Têm crescido os discursos que associam a queda nacional da violência ao aumento da letalidade policial, a exemplo dos números de 2019 divulgados pelo ISP para o Rio de Janeiro. Porém, essa associação carece de qualquer base de sustentação. Se ela fosse verdadeira, Ceará, Paraíba, Distrito Federal e outros não estariam reduzindo homicídios e, ao mesmo tempo, a letalidade policial.

Ao não pensarmos os rumos da segurança no Brasil e priorizarmos o debate político de curto prazo, aumentam exponencialmente os riscos de nos rendermos à lógica das milícias e das facções, pela qual vale a conquista de territórios e a imposição violenta da lei do mais forte.

Boas notícias precisam ser comemoradas, mas os sinais de alerta não podem ser desprezados.