O Globo, n. 31491, 26/10/2019. País, p. 10

A biografia de Eduardo Cunha, o ex-todo-poderoso da Câmara

Marcelo Remigio


Durante a sessão que aprovou o prosseguimento do processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff, em abril de 2016, o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha clamou: “Que Deus tenha misericórdia dessa nação.” O pedido, que marcou a votação, dá nome ao livro que os jornalistas Aloy Jupiara e Chico Otavio, do GLOBO, lançam segunda-feira, às 19h, na Livraria da Travessa de Botafogo. A biografia não autorizada do ex-todo-poderoso da Câmara traz desde bastidores políticos do Congresso às primeiras polêmicas em que Cunha se envolveu, ainda quando jovem. Adolescente, foi anos 1970 que o político, hoje preso pela Lava-Jato em

Bangu 8, formou um time de futebol para participar do Campeonato Carioca de Pelada, no Aterro do Flamengo, organizado pelo antigo “Jornal dos Sports”. Os jogadores da categoria escolhida por Cunha deveriam ter até 15 anos, mas a equipe foi eliminada por “falsificação da idade” da maioria dos atletas.

Em outro episódio contado pelos autores, Eduardo Cunha —vestido com jaleco, gorro e máscara —acompanhou uma cirurgia do então presidente de Furnas Luiz Paulo Conde, ex-prefeito do Rio, indicado para o cargo na estatal pelo ex-deputado. Cunha fez questão seguir com o paciente até a UTI. Contam Chico e Aloy que nada poderia sair errado na cirurgia de emergência para o tratamento de um câncer de próstata. “O que estava jogo, além da saúde do aliado, era o poder sobre um dos pesos-pesados do setor estatal brasileiro.” Conde havia tomado posse em Furnas dois meses antes, e Cunha temia que a operação fosse motivo para exonerá-lo —e, em consequência, a perda de poder por parte do ex-presidente da Câmara. Conspirações e alianças políticas também estão nas páginas escritas por Chico e Aloy. Os autores revelam casos envolvendo Cunha na época em que foi presidente da extinta Telerj. Foi no fim dos anos 1980 que o ex-deputado ajudou a construir a campanha presidencial do hoje senador Fernando Collor de Mello e a fortalecer o antigo PRN no estado. A influência de Cunha culminou em seu envolvimento com o escândalo das contas fantasmas de PC Farias, tesoureiro de Collor. Os autores também contam a atuação de Cunha no Congresso e sua participação no processo de impeachment de Dilma e na posse do vice Michel Temer. —Dentro da cobertura jornalística, acompanho o ex-deputado Eduardo Cunho há quase 20 anos. Isso me levou seis vezes ao tribunal (em nenhuma Cunha saiu vitorioso). Entender a trajetória política de Cunha nos ajuda a compreender todo o processo que resultou na saída da ex-presidente Dilma e, principalmente, o momento político pelo qual estamos passando —afirma Chico. Chico destaca a frieza com que Cunha agia no Congresso. O livro, lançado pela editora Record, relata que ele “chorou discretamente, com voz embargada, no discurso de renúncia à presidência da Câmara, em fevereiro de 2016. Os demais episódios, como o afastamento do cargo por decisão do STF e, antes, a sessão de aceitação da denúncia contra Dilma, foram protagonizados pela cara de gelo do deputado”. —A ideia da biografia do Eduardo Cunha surgiu depois de publicarmos “Porões da contravenção”, em fins de 2015. Foi um desafio porque, em 2016, a crise em Brasília estava no auge com o impeachment de Dilma, a cassação e a prisão de Cunha. Em 2017, muitos que falavam conosco a respeito do ex-deputado pediam anonimato. Não queriam associar suas imagens à dele. Escrever foi montar um quebracabeças —diz Aloy.

A obra abre espaço também para a família de Cunha. Relata a prisão em 1965, durante a ditadura, de seu pai, Elcy Teixeira da Cunha, por suposto crime de falsidade ideológica ao tentar se passar por oficial do Exército e agente do Serviço Nacional de Informações (SNI).