O Globo, n. 31617, 29/02/2020. País, p. 16

Contexto: nos EUA, a disputa pelo dinheiro sem carimbo

Henrique Gomes Batista


No secular sistema de governo americano, o equilíbrio entre os Poderes é um dos pilares da elaboração do orçamento. Mas, na prática, os deputados têm peso maior na definição de como o país mais rico do mundo gasta seus recursos públicos. E, no atual governo, isso gerou um recorde de desgastes: brigando em prol de verba para o seu prometido muro na fronteira com o México, Donald Trump paralisou o país por semanas.

— O sistema orçamentário foi criado em 1787, na Constituição, e visa o equilíbrio entre os Poderes. Mas, na prática, cabe ao Congresso, em especial aos deputados, o maior peso no orçamento. O presidente até envia uma proposta, mas ela é considerada "dead on the arrival", ou seja, "morta na chegada", às vezes nem é levada em consideração — avalia Fernando Cutz, integrante da consultoria americana Cohen Group em Washington e ex-conselheiro da Casa Branca.

Recursos para muro

O poder do presidente americano aumenta em crises. Cutz afirma que Trump acabou de redirecionar verba do combate ao ebola para o enfrentamento ao coronavírus, e isso não gerou polêmica:

— A questão é que Trump tem usado destas emergências mais que outros presidentes, o que leva os democratas a o acusarem de abuso. Um exemplo da polêmica foi a tentativa de Trump de usar uma verba da defesa para a construção do muro na fronteira com o México, uma promessa de campanha do republicano, alegando que havia uma crise migratória contestada pela oposição.

Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute e da diretora da John Hopkins University em Washington (EUA), lembra que o orçamento é tão sério que a comissão sobre o tema é a mais importante do Congresso. Ela lembra que, como nos EUA não há despesas obrigatórias —como há no Brasil para saúde e educação —, o debate é muito amplo e a alocação de recursos reflete as prioridades do momento: — Mesmo em um país muito polarizado, como nos EUA, o debate leva em consideração as prioridades do país. Há um diálogo, embora às vezes também existam problemas, mas quase sempre há um acordo. No ano passado, por causa do debate sobre recursos para o muro na fronteira, tivemos o maior shutdown (paralisação) do país, por 35 dias.

Monica de Bolle destaca que o equilíbrio entre os Poderes para a elaboração do orçamento é um dos pilares da democracia americana. Ela acredita que o excesso de leis orçamentárias no Brasil — como a PEC do Teto, a LRF, a necessidade de se elaborar a LDO e depois o orçamento — acaba engessando o debate real sobre o orçamento do país. — Estamos evoluindo. No passado era ainda pior, o orçamento era uma peça de ficção, mas ainda há muito a se fazer — conclui.

"Cabe ao Congresso, em especial aos deputados, o maior peso no orçamento" — Fernando Cutz, ex-conselheiro da Casa Branca.

"Por causa do debate sobre recursos para o muro na fronteira, tivemos o maior shutdown (paralisação) do país, por 35 dias" — Monica de Bolle, pesquisadora, sobre tentativa de Trump de usar verba para construir muro na fronteira com o México.