O Globo, n.31.586, 29/01/2020. País. p.04

Brasil para gringos
Bela Megale 

 

Com um orçamento que saltou de US$ 8 milhões para US$ 120 milhões (R$ 503 milhões, na cotação de ontem), a Embratur elaborou um plano para divulgar o Brasil no exterior neste ano. O projeto, ao qual O GLOBO teve acesso, inclui ações que vão desde um desenho sobre a Amazônia, para combater “falsas histórias que são compartilhadas na imprensa mundial”, a um filme estrelado por Sharon Stone explorando praias nordestinas em busca do tesouro do Imperador Constantino. O plano inclui também a montagem de uma arena que terá como entrada uma réplica do Palácio do Planalto, com direito a um modelo fantasiado de Dragão da Independência, aventuras de Mickey e Minnie pelo Brasil, além de um reality show com artistas internacionais que ficarão confinados em diferentes casas pelo Brasil.

O planejamento estratégico foi elaborado pelo presidente da Embratur, Gilson Machado, e sua equipe. Empresário e sanfoneiro, Machado se tornou uma das pessoas mais próximas do presidente Jair Bolsonaro, figurando com frequência nas lives transmitidas pelo presidente e integrando suas comitivas em viagens dentro e fora do Brasil. Machado também convive com os filhos de Bolsonaro. Na semana passada, ele viajou para a Flórida com o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) para prospectar empresas de cruzeiros para operar no Brasil. Foi graças a uma medida provisória assinada por Bolsonaro que transformou a Embratur em agência —e multiplicou sua verba em 15 vezes — que Machado pôde fazer um plano tão ousado.

Entre os principais focos da Embratur estão o patrocínio de filmes, tanto ficções quanto documentários. O plano estratégico detalha apoio a pelo menos sete produções, sendo duas delas sobre Amazônia. Segundo o documento, será feita uma animação infantil que “abordará os aspectos que tornam a Amazônia um destino turístico” e ainda terá a função de “combater as falsas histórias que são compartilhadas na imprensa mundial”. Há também uma ficção estrelada pela atriz norte-americana Sharon Stone que será filmada nas praias do Nordeste. Batizado de “Além do Paraíso”, o filme vai narrar a história de uma arqueóloga que está à procura do tesouro do Imperador Constantino, escondido no Brasil.

—Vamos mostrar o Brasil que deu certo. Não vamos mostrar tráfico, violência, favela, essas coisas que vinham sendo exportadas. A gente quer mostrar o que é bom. Não podemos vender as mazelas do Brasil, isso temos que resolver internamente — afirma Osvaldo Matos, diretor de marketing da Embratur.

MERCADO AMERICANO

A agência também promete patrocinar um musical na Broadway. O roteiro que mais agradou a cúpula da Embratur até o momento tem Carmen Miranda como protagonista. A cantora teria tido o corpo “congelado” e “descongelado” nos dias de hoje, narrando a história da música brasileira.

O plano prevê ações intensas nos Estados Unidos, um dos principais públicos focados pela agência. Além de anúncios sobre destinos turísticos na Times Square, em Nova York, e propagandas em ligas esportivas como NBA e NFL, a Embratur planeja montar uma grande mostra sobre o país batizada de “Arena Brasil” com direito a “réplica do Palácio do Planalto com um modelo vestido como Dragão da Independência”. Segundo Matos, a primeira edição do projeto deve ser instalada em Miami. Não há, por enquanto, orçamento específico para cada projeto.

A Embratur prevê ainda a elaboração de histórias em quadrinhos dos personagens Mickey e Minnie, da Disney, em uma aventura por estados brasileiros. A proposta é estimular a curiosidade de crianças para que elas convençam “seus pais a visitarem o Brasil”. No projeto, há também o lançamento de roteiros alinhados com o governo Bolsonaro, como “Brasil Judaico” e “militar”.

No primeiro caso, a Embratur vem trabalhando tanto na produção de uma rota com atrações judaicas quanto no patrocínio de filmes e livros sobre a história de judeus no Brasil. Para o “tour militar”, serão editadas versões impressas e digitais para promover “grandes ícones militares do país, como fortes, locais de batalhas, museus e quartéis”.


Estratégia de divulgação remonta ao país do Zé Carioca
Gustavo Alves 

 

A Disney com que o presidente Jair Bolsonaro conta para divulgar o turismo no Brasil foi responsável por criar um símbolo do país há 78 anos: o Zé Carioca, personagem do desenho animado “Alô Amigos”. A produção, no entanto, não tinha objetivo turístico, mas de estreitamento das relações entre os Estados Unidos e os países da América

do Sul durante a Segunda Guerra Mundial, para conseguir apoio no esforço de guerra contra o Eixo formado pela Alemanha, Itália e Japão. Em um Brasil que desde 1937 estava sob uma ditadura que praticava o culto à personalidade de Getúlio Vargas, contava com simpatizantes do totalitarismo nazista e fascista entre seus principais apoiadores e se inspirava em legislações de regimes autocráticos para criar sua Constituição ou a legislação trabalhista, o esforço era mais do que necessário.

Foi nesse contexto que o carioca foi encarnado em um papagaio animado, cheio de simpatia, folgazão, fumante de charutos e com a voz de um paulista de Jundiaí, José de Oliveira, músico que já tinha atuado em filmes de Carmen Miranda, outro símbolo esfuziante e colorido do Brasil difundido por Hollywood. Oliveira e o Zé Carioca voltaram às telas dois anos depois em “Você já foi à Bahia?”. Não se engane com o título em português: o original, em inglês, era “Os três cavaleiros”, grupo formado pelo Pato Donald, pelo galo mexicano Panchito e pelo papagaio Zé Carioca. Se os objetivos foram outros que não desenvolver o turismo, “Alô Amigos” e “Você já foi à Bahia”, assim como os musicais com Carmen

Miranda, mostram que filmes sobre um Brasil animado, gentil, musical e multicolorido não são exatamente uma ideia nova para retratar o país lá fora. Nem mesmo localizar no país um inusitado tesouro escondido de Constantino, o imperador romano que autorizou a prática do cristianismo: afinal de contas, o Brasil já foi o lugar onde se pensava haver o Eldorado, a cidade de ouro e esmeraldas que povoou os sonhos de muitos ambiciosos até o século XX. O território brasileiro é visto como um paraíso desde que o Rio de Janeiro era disputado por franceses e portugueses no século XVI.