O Globo, n. 31484, 19/10/2019. Economia, p. 36

Como preservar e desenvolver

Míriam Leitão



Bioeconomia. Essa é a sugestão do climatologista Carlos Nobre no que ele chama de Amazônia 4.0. Ele foi um dos cientistas convidados a falar no Sínodo da Igreja Católica no Vaticano e conta o que ouviu e o recado que deixou. Nobre propõe que se aposte num modelo que já está se formando na Amazônia, a produção em sistemas agroflorestais. Neles, a biodiversidade é protegida até porque ela será parte do sucesso do negócio. Carlos Nobre é um dos maiores climatologistas do mundo e já fez muitos estudos científicos sobre a região e seus impactos no clima. Desta vez, ele está falando de algo concreto para tentar responder à inquietante pergunta sobre como preservar a floresta, produzindo renda e desenvolvimento para seus habitantes.

— Chamamos de bioeconomia da floresta em pé. É a exploração de produtos da região plantados dentro da floresta, método que já se mostrou muito mais produtivo. Castanha, açaí, cacau, babaçu e outros que são exportados como produtos primários, mas que após um processo de industrialização teriam mais valor agregado. A ideia é industrializar esse potencial de biodiversidade — me disse Carlos Nobre em entrevista na Globonews.

O Jornal Nacional mostrou esta semana uma reportagem de Fabiano Villela que ilustra o que o cientista está falando. Em Tomé-Açu, Pará, descendentes de imigrantes japoneses estão produzindo, de forma eficiente, uma infinidade de produtos. Sem derrubar a mata, ao contrário, até replantando espécies nativas nobres, como castanheira, mogno e ipê, os produtores estão colhendo safras sucessivas de várias culturas plantadas entre as árvores. Isso é o que é definido como sistemas agroflorestais. Na série História do Futuro que fiz para a Globonews, em 2017, nossa equipe esteve em ToméAçu. O caso é um exemplo de superação porque os imigrantes foram para plantar arroz, mas não deu certo, depois plantaram pimenta, que deu muito certo por duas décadas, mas por ser monocultura acabou vulnerável às pragas:

— Em Tomé-Açu eles têm cerca de 60 produtos, mas existe potencial para exploração de uns mil produtos da floresta comas mais diversas aplicações e usos. É preciso pensarem trazer as tecnologias da4ª Revolução Industrial para a floresta. É uma grande novidade. Ele discorda de que essa produção seria pequena:

— O lucro do açaí, produzido, descascado e vendido em polpa pelo agricultor familiar, já é hoje quatro vezes o lucro da pecuária na Amazônia, usando 7% da área da pecuária, e empata com o lucro da soja. O açaí já atingiu uma escala de R$ 3,5 bilhões. Superou o faturamento da madeira. E isso sem agregação de valor. Sugerimos que haja bioindústrias, biofábricas, conectadas pela tecnologia de informação e usando energia renovável de geração distribuída. Nenhuma exploração de minério produz essa riqueza. Pelo contrário. Que desenvolvimento a exploração de minério trouxe para as populações da Amazônia?

O progresso da região não há de ser também coma derruba dada floresta, que está se acelerando neste triste ano de 2019. Sobre os riscos, ele ouviu relatos que o impressionaram:

— Foram feitos pelos padres e bispos que vivem na região, noBra silenos outros países amazônicos, em contato direto com os indígenas, população ribeirinha, comunidades quilombolas.

A proposta, disse ele,éa de que, por ser um modelo inovador, o governo assuma o risco inicial, financiando o começo das atividades. Haveria laboratórios criativos de forma descentralizada para atendera dimensão amazônica.

Carlos Nobre publicou nos anos 1990 o estudo alertando para o risco da savanização da Amazônia. Era um estudo teórico. Hoje há fatos concretos como estações secas mais longas e a temperatura mais altanas áreas do chamado ar codo desmatamento, que vai de Rondônia, ao norte do Mato Grosso, ao sul eles tedo Pará.

A taxa de mortalidade das grandes árvores, típicas da floresta de clima úmido, já é maior do que a das espécies que convivem como cerrado. Com todos os sinais de que a teoria estás e concretizando, Carlos Nobre terminou a entrevista dizendo que ainda há tem pode salvara floresta. Um dos caminhos é cumprir o que prometemos em Paris, como restaurar 12 milhões de hectares. Outro é o de construir um modelo de fato sustentável na Amazônia.