O Globo, n. 31483, 18/10/2019. Mundo, p. 34

País é reeleito para o Conselho de Direitos Humanos

André Duchiade


O Brasil foi reeleito para o Conselho de Direitos Humanos da ONU para o triênio de 2020 a 2022, em votação realizada ontem em Nova York. O país disputava com Costa Rica e Venezuela uma das duas vagas para a região da América Latina e do Caribe. O Brasil conseguiu 153 votos entre os 193 países-membros da ONU. A Venezuela, com 105 votos, ficou em segundo e ocupará a outra vaga. A Costa Rica, que lançou a sua candidatura há apenas duas semanas, teve 96 votos.

Organizações de direitos humanos pressiona rampa raque Brasil e Venezuela não fossem eleitos, o que motivou a candidatura da Costa Rica, com o objetivo declarado de barrar Caracas, onde o governo de Nicolás Maduro é acusado de violar sistematicamente direitos fundamentais.

Em nota, o Itamaraty qualificou a vitória brasileira de“importante e justa ”, lamentou a eleição da Venezuela e prometeu atu arpara“promovera liberdade,a dignidade e os direitos humanos ao redor do mundo ”.“Esse resultado demonstra o sólido reconhecimento internacional das credenciais do Brasil em matéria de promoção e proteção dos direitos humanos ”, acrescenta anota.

Camila Asano, coordenadora de programas da Conectas, ONG credenciada na ONU que publicou um acarta contra a candidatura brasileira, disse que“a eleição do Brasil não significa um cheque embranco para o governo atuar como deseja no conselho”.

— As regras da ONU contemplam a possibilidade de um membro eleito ser suspenso ou até mesmo expulso. E a sociedade civil seguirá com o seu trabalho de denunciar internacionalmente violações de direitos humanos no país, além de monitorar apolítica externa brasileira —afirmou.

“Apesar do histórico horrendo em direitos humanos, a Venezuela se elegeu”, lamentou o diretor-adjunto da Human Rights Watch, Philippe Bolopion. Os outros eleitos foram Líbia, Sudão, Mauritânia, Indonésia, Coreia do Sul, Japão, Ilhas Marshall, Polônia, Armênia, Holanda e Alemanha.

Carlos Milani, professor de Relações Internacionais do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Uerj, atribuiu a vitória brasileira, em primeiro lugar, a uma imagem positiva anterior.

— Embora tenha havido certa ruptura institucional e política e a situação política doméstica venha se deteriorando nos últimos anos, esta guinada não foi suficientemente longa para macular a trajetória muito vitoriosa e produtiva anterior. Não significa que o Brasil fosse uma maravilha, mas vinha progressivamente construindo uma imagem positiva em termos de direitos humanos —afirmou.

A esta imagem, acrescentou Milani, soma-se a capacidade diplomática brasileira, formada por agentes que trabalham “com disciplina e rigor” no sistema internacional e sabem como implementar uma política de negociação de votos.

— No sistema da ONU, é prática corrente negociar votos. Para o governo brasileiro, era muito importante marcar esse gol e dizer para o mundo que, embora sofra críticas na área ambiental e de direitos humanos, o país ainda assim conseguiu apoio expressivo da comunidade internacional.

O conselho baseado em Genebra tem ao todo 47 membros, incluindo vários com histórico problemático em termos de violações dos direitos humanos. Tradicionalmente, países que cometem violações buscam vaga no órgão para dificultar o trabalho de fiscalização.

Mudança de orientação

Durante a campanha em 2018, o presidente Jair Bolsonaro chegou a afirmar que, caso eleito, o Brasil deixaria o Conselho de Direitos Humanos, a exemplo dos EUA, que o fizeram no ano passado. A ideia não foi adiante, mas o país mudou seus posicionamentos no órgão, votando ao lado de países fundamentalistas islâmicos em temas como direitos de gênero e da mulher .

Para evitar que o país não se reelegesse, representantes brasileiros em Genebra realizaram encontros com diversos países. Na última eleição, em 2016, o Brasil ficou atrás de Cuba em número de votos — 137 para Brasília e 160 para Havana. Na eleição anterior na qual concorreu, em 2012, o Brasil foi o mais votado, com 184 votos, contra 176 da Argentina e 154 da Venezuela.

A ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, disse no Twitter que a eleição representa “um novo momento para o Brasil, em que o governo é um incansável defensor da vida e não mede esforços para enfrentara violência ”. Ela fez um a referência à carta publicada por entidades latino-americanas em apoio ao país. Acarta não foi assinada pela maioria das organizações de direitos humanos do continente, que dizem não terem sido consultadas. Segundo ativistas, o documento não expressa a opinião de pessoas com histórico de atuação na área.