O Globo, n. 31483, 18/10/2019. Mundo, p. 34

Brasil muda política e votará contra Cuba na ONU

Eliane Oliveira
Ana Clara Costa


O Brasil se prepara para romper uma tradição de quase três décadas e votar pela primeira vez, na Assembleia Geral da ONU, a favor do embargo econômico, comercial e financeiro a Cuba, promovido pelos Estados Unidos desde 1962. A mudança de posição se insere na política de alinhamento do governo do presidente Jair Bolsonaro a Washington.

A Assembleia Geral vem aprovando desde 1992, por ampla margem, uma resolução que pede o fim do embargo, iniciado no contexto da Guerra Fria, três anos depois da revolução socialista na ilha, e transformado em lei pelo Congresso americano em 1992. No ano passado, o texto foi aprovado por 189 votos a favor e apenas dois contra, dos Estados Unidos e Israel, sem nenhuma abstenção. O Brasil sempre votou pelo fim do embargo.

Neste ano, a mesma resolução será posta em votação na Assembleia Geral entre os dias 6 e 7 de novembro. A determinação do chanceler Ernesto Araújo foi para que o Brasil vote contra o texto, mas diplomatas ainda tentam convencê-lo a optar pela abstenção —que também seria inédita no caso brasileiro, mas menos dura do que o voto contra Cuba.

Segundos fontes do governo brasileiro ouvidas pelo GLOBO, a posição do ministro é coerente com a nova política externa do Brasil. “Hoje temos posição clara em defesa da liberdade e da democracia ”, disse uma fonte graduada do governo. Procurado, o Itamaraty informou que “o Brasil não comenta previamente decisões de voto sobre resoluções das Nações Unidas”.

A resolução que costuma ser votada na ONU argumenta que o embargo é contrário à liberdade de comércio e de navegação consagra dano direito internacional. No ano passado, o chanceler cubano, Bruno Rodríguez, afirmou na ONU que o bloqueio já provocou um prejuízo calculado em US$ 993,679 bilhões aseu país.

Além de contrário ao regime socialista de Havana, o governo brasileiro está de acordo coma avaliação da Casa Branca de que Cuba dá uma poio relevante para a permanência de Nicolás Maduro no poder na Venezuela. Desde que assumiu, em janeiro, Bolsonaro tem feito ataques a Havana, tanto em palavras como em ações —caso das críticas e das mudanças que anunciou no Mais Médicos, eque levaram Cuba a retirar os seus oito mil profissionais do programa.

No fim do mês passado, o chanceler cubano rejeitou as declarações feitas por Bolsonaro em seu discurso na ONU, de que os médicos da ilha que participavam do programa seriam agentes comunistas infiltrados no Brasil. Disse que o presidente “delira e sente saudades da ditadura”. A comitiva de Cuba chegou a se retirar da Assembleia Geral diante do ataque do presidente brasileiro.

Depois de 52 anos de uma política de bloqueio que não deu o resultado esperado de levar à queda do regime socialista na ilha caribenha, em 2014 o governo de Barack Obama reatou as relações diplomáticas com Havana e relaxou as sanções dos Estados Unidos determinadas pela Casa Branca — o fim do embargo depende do Congresso.

Trump apertou cerco

Em 2016, ainda sob Obama, pela primeira vez os Estados Unidos se abstiveram na votação da resolução da Assembleia Geral que pediu o fim do bloqueio. Com a chegada ao poder de Donald Trump, no entanto, sanções contra a ilha voltaram a ser apertadas a partir de 2017, prejudicando a economia cubana. Neste ano, as sanções dos EUA contra as exportações de petróleo venezuelano atingiram severamente Cuba, ao reduzir as vendas subsidiadas de combustíveis de Caracas a Havana.