O Globo, n. 31531, 05/12/2019. País, p. 8

Ações culturais têm pouca verba pública em Paraisópolis
Dimitrius Dantas
Aline Ribeiro


Embora Paraisópolis seja alvo de críticas das autoridades por produzir os chamados pancadões, pelo menos duas importantes iniciativas culturais da favela não recebem a atenção devida do Estado. A orquestra de Paraisópolis, formada por jovens da favela, ensaia atualmente em uma sala improvisada de uma escola técnica. O grupo resiste, em parte, graças a doações privadas. Há ainda o grupo de balé da comunidade, composto por crianças e adolescentes nascidas e criadas ali e que já se apresentaram em Nova York. Hoje, também funcionando à base de doações, o grupo ensaia num prédio alugado e com obras constantes.

Além disso, o projeto para a construção de uma escola de música e dança está engavetado há quatro anos. Segundo moradores, o terreno em que funcionaria a escola está abandonado e chegou a ser invadido.

Para manter o projeto, a fundadora da companhia de balé, Monica Tarragó, criou uma estrutura de dois andares com salas de aula, fisioterapia e figurino. A expansão foi conquistada aos poucos com ajuda privada. Já a Orquestra Filarmônica de Paraisópolis funciona numa sala de aula da Escola Técnica Abdias do Nascimento.

Em nota, a prefeitura de São Paulo informa que, nos últimos anos, entregou na favela 2 mil unidades habitacionais, postos de saúde e uma avenida. “A área da Escola de Música foi desocupada para a implementação do equipamento e, antes que se pudesse iniciar o processo de construção da unidade, foi reocupada. Está em andamento um projeto para a uma nova remoção para dar continuidade no processo de implantação da mesma”. A prefeitura não informou sobre a situação do balé e da orquestra.

Mônica lembra que o balé começou com uma sala na União dos Moradores. Segundo ela, “se fosse esperar alguma ajuda do governo, ainda estaria em casa”. Hoje, 1/5 dos gastos vai para o aluguel do espaço, quantia que, diz ela, poderia ser investida na capacitação dos quase 200 alunos.

— Se me perguntarem hoje, eu preciso de um prédio de oito andares, conseguiríamos abrigar pelo menos mais 200 crianças.

Assim como Monica, o maestro Paulo Rydlewski admite que a orquestra teria de deixar de funcionar caso não fosse a área cedida na escola.

— A Escola de Música e Dança é o ideal para Paraisópolis. Eu sou imensamente agradecido ao Centro Paula Souza que permite que utilizemos essa sala. Mas é claro que o ideal é que nós tivéssemos a sala adequada acusticamente — diz.

Investigação

Um chamado do Centro de Operações da PM (Copom) para averiguar um Celta preto deu início à caçada policial que culminou em nove mortes em Paraisópolis, no último domingo. Nos depoimentos dos seis policiais que participaram do início da ação, aos quais O GLOBO teve acesso, parte deles menciona o carro.

Durante abusca ao Celta, segundo os relatos, os agentes cruzaram com dois suspeitos numa motocicleta, que fugiram em direção ao baile funk. O carro não foi encontrado.

Os depoimentos estão no boletim feito no dia das mortes .“Todos utilizavam de viaturas motorizadas de duas rodas quando foram acionados pelo Copom para apoiar uma diligência de averiguação de veículo Celta preto, demais dados não qualificados”, disse o policial que assina a ocorrência.

Na mesma madrugada em que nove jovens morreram em Paraisópolis, uma ação semelhante da PM na favela de Heliópolis durante um baile funk deixou um morto. Os PMs também teriam sido hostilizados e atacados com garrafadas no local.

“Eu preciso de um prédio de oito andares, conseguiríamos abrigar pelo menos mais 200 crianças” — Monica Tarragó, fundadora da companhia de balé de Paraisópolis.