O Globo, n. 31479, 14/10/2019. Sociedade, p. 18

Análise de um discurso

Antônio Gois


Na semana passada, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, anunciou em São Paulo a entrega de 180 ônibus escolares para municípios. Não foi a primeira vez, nem será a última, que um ministro sobe num palanque para anunciar com pompa e circunstância pequenas ações pontuais. Isso sempre fez parte do jogo político, e todo cidadão é livre para se iludir com as palavras do governante da vez.

O problema foi que,em seu discurso improvisado, Weintraub citou dados exagerados ou equivocados. De novo, não foi o primeiro nem será o último, mas é justo cobrar da principal autoridade educacional do país que tenha mais rigor ao citar dados para embasar ideias ou ações. Ao defender a prioridade para a educação infantil (tese absolutamente legítima), o ministro faz um paralelo com os gastos em universidades federais, contrapondo um investimento ao outro. Disse que “cada universidade federal dessas grandes custa mais de R$ 3 bilhões por ano” e que, “com uma delas, a gente põe todas as crianças na creche e pré-escola”. Se fizer isso com esse valor e sem comprometer a qualidade, operará um milagre.

Segundo o IBGE, há 6,5 milhões de crianças de zero a 3 anos e 500 mil na faixa de 4 e 5 forada escola. O Inep mostra que, em 2015, o investimento anual por aluno da educação infantil era de R$ 6.433. Corrigindo pela inflação para valores de hoje,daria cerca de R$7.500. Mantido esse patamar, colocar “todas as crianças” na escola envolveria algo em torno de R$ 50 bilhões a mais do orçamento do MEC.

No caso das creches, convém registrar que país nenhum tem 100% de sua população de zero a 3 anos matriculada,e a meta do Plano Nacional de Educação é de 50% de atendimento até 2024. Dando a Weintraub o benefício da dúvida, talvez ele estivesse se referindo ao contingente que falta para atingir essas metas. Nesse caso, o déficit seria de cerca de 2 milhões de vagas. Ainda assim, trabalhando com os atuais valores por aluno, estaríamos falando de um montante de mais de R$ 15 bilhões anuais apenas para creches e pré-escolas. Para efeito de comparação, o valor que a União complementa hoje no Fundeb é de R$ 14 bilhões. É certo que esses cálculos não têm precisão absoluta. Pode haver espaço para melhorar a eficiência do gasto, mas é preciso considerar que o custo por aluno em creche, onde o déficit de vagas é maior, tende a ser maior do que o de uma pré-escola, especialmente no caso das crianças muito pequenas. De qualquer jeito, nada indica que o problema possa ser resolvido com algo em torno de R$ 3 bilhões.

Weintraub comentou ainda sobre os planos do MEC para expansão do ensino técnico, uma medida, de fato, necessária. Porém, de novo, recorreu a chavões sem embasamento algum ao dizer que “tá cheio de doutor sem emprego”, mas é “difícil ter um bom encanador passando fome”. É impossível checar estatísticas de desemprego de “bons encanadores”, mas é fácil identificar que, no Brasil, o acesso ao ensino superior está relacionado a enormes benefícios individuais. O relatório Education at a Glance, da OCDE, mostra, por exemplo, que as taxas de desemprego para quem tem diploma universitário no Brasil são metade das verificadas entre quem parou no ensino médio e que os graduados no país recebem, em média, 150% a mais do que quem parou no antigo segundo grau. É a maior discrepância verificada nos países do relatório. Não porque o ensino superior no Brasil tenha alta qualidade,mas pelo fato de que ainda é para poucos.