O Globo, n. 31537, 11/12/2019. Economia, p. 21

Reestruturação: até 50 anos para pagar
João Sorima Neto
Leo Branco
Henrique Gomes Batista
Geralda Doca
Bernardo Mello


A Odebrecht apresentou ontem a credores uma nova versão de seu plano de recuperação judicial, com até 50 anos de prazo para pagar suas dívidas. Embora tenha mais detalhes que o anterior, como valores e prazos de pagamentos, especialistas ouvidos pelo GLOBO avaliam que trata-se de um prazo muito extenso, o que traz risco aos credores. Eles terão até o próximo dia 19 para avaliar a proposta — que precisa ser aprovada em assembleia.

Fontes próximas às negociações já admitem que é muito difícil fechar um acordo antes da virada do ano, como gostaria a Odebrecht. Também se espera que alguns credores peçam mudanças no plano, que prevê, para a maior classe de credores, a troca da dívida por títulos com prazo de 25 anos, prorrogáveis por mais 25 anos.

Fontes ouvidas pelo GLOBO indicaram que bancos públicos e privados não gostaram do plano e querem mudanças. Pretendem atuar em conjunto para chegar a uma versão final com condições melhores. Também não acreditam em aprovação este ano e pretendem esvaziar assembleia do dia 19. O governo, por trás de Caixa, Banco do Brasil e BNDES, prefere uma solução no ano que vem.

Um dos pontos que devem gerar muito embate entre os credores se refere ao caixa do grupo. Pela proposta desenhada, depois de quatro anos de carência, a holding da Odebrecht só usará parte dos recursos levantados anualmente para o pagamento de seus credores. A ideia é manter, todos os anos, R$ 500 milhões em caixa. O excedente, se houver, seria utilizado para o pagamento dos credores.

— O prazo (para pagamento) é bastante longo. Na Justiça de São Paulo, em média, o pagamento aos credores é em dez anos — diz o advogado Leonardo Ribeiro Dias, especialista em recuperação judicial no escritório ASBZ.

Para Dias, é difícil pensar numa reestruturação da Odebrecht aprovada pelos credores sem uma definição de como eles serão pagos — seja pela venda de ativos, emissão de dívida ou caixa. A versão atual do plano, contudo, ainda não esmiuçou esses detalhes, diz o especialista:

— É temerário dizer que estamos perto de um desfecho para essa recuperação judicial.

O novo plano não faz menção a possível troca de comando no grupo, considerada por especialistas como essencial para a reestruturação do grupo, que deve R$ 98,5 bilhões.

Embora oficialmente a empresa fale em vender apetro química Braskem (na qual é sócia da Petrobras) e a Saesa, da Santo Antônio Energia, fontes da companhia admitem reservadamente que podem ser vendidas a Ocyan, de petróleo, a Atvos, de etanol, e outras companhias de energia do grupo. Segundo outra fonte, tudo vai depender da geração de caixa da companhia.

A depender do cenário, as dívidas podem ser liquidada sem até dez anos, defendem fontes envolvidas no plano. Caso isso não ocorra, os débitos serão convertidos em títulos emitidos pelo grupo, que terão uma correção monetária baixa.

Para uma advogada especialista em recuperações judiciais que prefere não se identificar, faltam detalhes sobre como a empresa pretende gerar caixa para pagar os credores, seja com a troca de controle ou dinheiro novo, via algum financiamento:

— O novo plano não traz uma linha sobre estes pontos.

Reunidos ontem num espaço de eventos na região central de São Paulo, os credores do conglomerado decidiram suspender a assembleia e retomála no dia 19 para poder analisar melhor a proposta. O representante da Caixa Econômica Federal, Tiago Costa, pediu prazo de 60 dias para que o banco pudesse analisar o plano, mas os representantes dos demais credores aprovaram que a assembleia seja retomada na próxima semana.

Procurados, os demais bancos credores da Odebrecht não se manifestaram sobre as novas condições do plano apresentado ontem. Fontes ouvidas pelo GLOBO apontam que muitos credores nem foram procurados pela Odebrecht antes da apresentação, o que indica que ainda não há consenso para a aprovação.

Plano único

O advogado Eduardo Munhoz, que representa a Odebrecht, propôs um plano único de pagamento para todas as 21 empresas do grupo envolvidas na recuperação, por meio da holding Odebrecht S.A.:

— A companhia defende um plano consolidado, que será mais favorável a todos os credores. A opção individualizada é negativa, já que envolve empresas que não têm atividade operacional e fonte própria de recursos. Na opção individualizada, o risco é maior.

Os recursos no plano único, disse o advogado, virão de dividendos das empresas do grupo ou da venda de negócios, sendo o principal a Braskem.

Para o principal grupo de credores, da classe 3 — que inclui instituições financeiras, fornecedores, acionistas minoritários, executivos que detêm bônus da empresa, entre outros —, a Odebrecht propôs a divisão em dois grupos: financeiros e não financeiros.

Para os credores financeiros, a empresa propõe pagamento de até R$ 150 mil em dinheiro, masco ma liberação do saldo excedente, ou seja, o credor abre mão do restante da dívida. Para valores de dívida acima desse limite, o grupo sugere a conversão da dívida em títulos, que podem ser debêntures de emissão pública (quando qualquer um pode comprar) ou privada (restrita a um grupo de investidores) ou até papéis conhecidos como bonds. O prazo de resgate desses títulos será de 25 anos, prorrogáveis por mais 25 anos.

Para o grupo dos credores não financeiros, o plano prevê pagamento de até R$ 150 mil em dinheiro, mas o credor abre mão do restante da dívida. Há outra opção de pagamento em dinheiro àqueles com dívidas de até R$ 3 milhões, mas só acontece quando houver venda de ativos.

A crise da empreiteira em quatro pontos

 Lava-Jato apontou participação em esquema na Petrobras:

Em 2015, a Odebrecht entrou na mira da Operação Lava-Jato por integrar um esquema de corrupção que superfaturou projetos da Petrobras. Foi o início da crise do grupo comandado pelo clã baiano Odebrecht, até então um dos maiores do país, respeitado internacionalmente por sua capacidade técnica.

— Prisão levou a delação premiada e encolhimento:

Com a prisão do líder Marcelo Odebrecht — que confessou crimes em troca de redução de pena —, a empresa perdeu contratos, pagou multas e enfrentou apurações em outros países. O faturamento caiu de R$ 132 bilhões para R$ 82 bilhões entre 2015 e 2017, e o quadro técnico foi reduzido a 25%.

— Crescimento das dívidas forçou pedido de proteção à Justiça:

Com caixa reduzido e dívidas na casa dos R$ 100 bilhões, a Odebrecht foi forçada, em junho deste ano, a pedir proteção contra credores à Justiça de São Paulo para evitar a falência com a execução de débitos em atraso. Desde então, o grupo protagoniza a maior recuperação judicial já realizada no país.

— Difícil negociação com os credores atrasou plano de recuperação:

A primeira versão do plano de recuperação da Odebrecht, apresentada no fim de agosto, foi rejeitada pelos credores devido à falta de clareza sobre quanto e quando a empresa pagaria seus débitos. A Caixa Econômica chegou a pedir à Justiça a extinção da recuperação judicial e a falência da Odebrecht.

Presidente da Oi deixará cargo e diz que tele é ‘só pepino’

O presidente da Oi, Eurico Teles, anunciou ontem que deixará o comando da empresa em 30 de janeiro de 2020. Em entrevista coletiva na sede da empresa no Leblon, Zona Sul do Rio, Teles negou que o anúncio tenha relação com a deflagração da 69ª fase da Operação Lava-Jato, ontem, e que investiga pagamentos de R$ 132 milhões feitos pela Oi à empresa Gamecorp, de Fábio Luis Lula da Silva, o Lulinha, filho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

No fim da entrevista, o executivo argumentou que a empresa não recebeu benefícios de governos anteriores:

— Quando recebi essa companhia para fazer o plano de recuperação judicial, ela tinha R$ 65 bilhões de dívidas. Então eu digo o seguinte: qual foi o benefício que essa companhia teve por alguém? Eu desconheço. Estou aqui há 38 anos e vou te dizer o seguinte: essa companhia é só pepino. É só pepino. Uma companhia desse tamanho foi para a recuperação judicial. Tinha uma dívida imensa, uma receita decadente, um serviço decadente. Herdamos uma companhia difícil.

Segundo Teles, o anúncio da data de troca de comando da Oi, com emissão de fato relevante ao mercado, estava previsto pelo plano de transição de comando da empresa, que está em recuperação judicial. O plano de transição foi homologado em setembro pela 7ª Vara Empresarial do Rio.

— Estou obrigado a dizer que deixo a companhia em 30 de janeiro de 2020. Estamos simplesmente cumprindo o plano de transição — disse.