O Globo, n. 31476, 11/10/2019. Opinião, p. 02

Entra em pauta a reforma do funcionalismo



Em uma crise financeira do Estado, sem espaço para a obtenção demais receitas, é evidente que se devem examinar os maiores itens das despesas, para contê-las e cortá-las. O Brasil segue este caminho óbvio ao reformara Previdência, projeto que necessita ser aprovado pela segunda vez no Senado para ser sancionado. Tratase do mais robusto item do Orçamento da União, uma despesa este ano de mais de R$ 700 bilhões, um cenário que se repete no resto da Federação. Aposentadorias e pensões são despesas maiores que os gastos com educação e saúde, e não param de aumentar.

À medida que o problema é equacionado—oque não quer dizer que não serão necessárias futuras reformas —, ganha peso na agenda do governo o segundo maior item de despesa da União, o gasto com o funcionalismo, mais de R$ 300 bilhões por ano. Também aumenta de forma vegetativa, movido por um aparato de normas corporativas que fazem subir salários apenas pelo tempo de carreira do funcionário. É oque a demografia provoca na Previdência.

Previdência e funcionalismo são uma conta de R$ 1 trilhão que cresce por força própria, independentemente da vontade de governos e da sociedade. Algo, é claro, que não pode dar certo. Eis por que as reformas são imprescindíveis. Estudo divulgado quarta-feira pelo Banco Mundial contribui para reforçara importância da reforma administrativa, que inclui afolha de pessoal do poder público e a estrutura de cargos e salários. “Gestão de pessoas e folhas de pagamentos no setor público brasileiro: o que dizem os dados?” contribui para iluminar este universo obscuro da burocracia estatal.

Corporações do funcionalismo costumam se defender com o argumento de que o Brasil não chega ater servidores em excesso —1,1 milhão na área federal. Mas o problema maio ré a falta de organicidade na administração de pessoal, que faz com que, de 2007 a 2017, afolha total do funcionalismo da Federação tenha crescido 48% acima da inflação e represente 10% do PIB. Deve refletir o ciclo de benesses distribuídas pelos governos do PT aos servidores, mas não só eles.

Mesmo que não houvesse uma crise fiscal, o universo do funcionalismo teria de ser reformado. Segundo o Banco Mundial, o servidor federal ganha quase o dobro do salário pago para função idêntica no setor privado; há 300 cargos na máquina pública federal brasileira, 14 na Inglaterra, 27 no Canadá e 18 em Portugal. São indicadores das desfunções na burocracia estatal.

Falta o prêmio ao mérito. Quando bônus são distribuídos, todos recebem. Em alguns casos, também os aposentados. Os salários iniciais dos servidores são muito elevados, o que os leva a atingir o topo em pouco tempo. Por isso, se os salários iniciais fossem reduzidos a no máximo R$ 5 mil, por hipótese, e houvesse uma redução no tempo de progressão das carreiras, o Banco Mundial calcula que seriam economizados R$ 104 bilhões até 2030.