O Globo, n. 31474, 09/10/2019. Sociedade, p. 30

Campanha dividida entre conservadores e progressistas mobiliza mais eleitores



Inflamadas por uma disputa ideológica que opôs candidatos de alas conservadoras de igrejas católicas e evangélicas, além de postulantes progressistas, as eleições para os conselhos tutelares no país inteiro registraram participação muito acima da média e, pelo que indicam os primeiros resultados, uma divisão no perfil dos eleitos. A intensa campanha eleitoral foi marcada pela divulgação, nas redes sociais, de listas de candidatos alinhados a cada grupo ideológico.

No Rio, a eleição para os 19 conselhos tutelares da capital teve o maior número de votantes da história, com 107.841 eleitores —mais do que o dobro da eleição anterior (2015). Entre os 190 conselheiros eleitos (metade deles titulares, metade suplentes), 43 constavam de uma lista de candidatos compartilhada por movimentos progressistas. Ao menos 23 conselheiros com este perfil ocuparão vagas titulares (24% do total).

Entre eles está a candidata mais votada da cidade: Patrícia Felix Padula, eleita para o conselho tutelar da Zona Sul com 4.639 votos. Pedagoga e advogada de 48 anos, nascida na Vila Vintém e moradora do Catete, decidiu concorrer pela primeira vez ao cargo justamente por causa da polarização ideológica da eleição.

—Vivemos em um barril de pólvora ultimamente. Vi alguns grupos intimidando as pessoas que queriam se candidatar e decidi não me calar — afirma Paty, como ela se apelidou na ficha eleitoral.

Filiada ao PSOL e integrante da comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, ela considera que o maior desafio será dar visibilidade ao trabalho ainda pouco conhecido pela sociedade e lidar com as opiniões divergentes.

A religião também serviu de bandeira eleitoral para candidatos vitoriosos. Com 926 votos, a sexta maior votação da capital, o advogado Fernando Brites decidiu usar o nome de Obreiro Fernando na disputa. Evangélico, adepto da Universal, levanta abandeira contra o estupro e tem publicações nas redes sociais apoiando o presidente Jair Bolsonaro.

A eleição carioca foi marcada por denúncias de venda de votos, boca de urna e transporte ilegal de eleitores até as zonas eleitorais. Segundo apuração da reportagem, a influência da milícia em algumas áreas está sendo investigada.

— Todas as denúncias estão sendo avaliadas e os candidatos serão notificados e terão um prazo de 48 horas para ter o amplo direito de defesa—explica Carlos Roberto Laudelino, representante do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Em São Paulo

Dos 245 conselheiros tutelares eleitos na cidade de São Paulo no último domingo, 34,2% eram apoiados por igrejas evangélicas, de acordo com levantamento feito pelo GLOBO. Nos dias que antecederam a eleição, fiéis compartilharam uma página intitulada “Conselheiros do Bem”, que reunia nomes ligados a igrejas como a Universal do Reino de Deus.

Dos 205 nomes indicados no site, 84 foram eleitos. O número de pessoas ligadas a igrejas evangélicas, contudo, ainda pode aumentar: em três distritos da capital paulista, a eleição foi impugnada. Em Pirituba e Lajeado, os números dos candidatos não coincidiam com os informados previamente durante as campanhas; em Pinheiros, os mesários não compareceram. A Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania irá marcar uma nova data para a votação.

Eleitos para um mandato de quatro anos, os conselheiros tutelares podem ser reeleitos indefinidamente. O salário, de R$ 2.853,00, é pago pelos municípios, além de vale-alimentação e vale-transporte.

Durante a campanha, frentes religiosas cristãs, movimentos de esquerda e outros setores da sociedade se enfrentaram pelas vagas em 52 conselhos tutelares na capital paulista. Os conselhos representam espaços estratégicos na definição de políticas para crianças e adolescentes. Entre os principais assuntos das campanhas, estavam a discussão sobre gênero, pautas LGBT e a polarização política entre o bolsonarismo e a esquerda.

A disputa política e religiosa na semana passada levou a um aumento de quase 30% da participação popular no pleito paulistano. Em 2016, ano da última eleição, 113 mil pessoas votaram. Neste ano, foram mais de 144 mil.

Sueli Camargo, coordenador da Pastoral do Menor da Arquidiocese de São Paulo, afirmou que a Igreja Católica não fez campanha para candidatos, mas uma convocação para que os católicos participassem das eleições, como candidatos ou como eleitores.

— Nossos irmãos evangélicos, espíritas, budistas, todos são bem-vindos a este processo. Para nós, o que importa é a atuação desse conselheiro e o que está previsto no ECA. O Globo também procurou a Igreja Universal , mas não recebeu uma resposta.