O Globo, n. 31516, 20/11/2019. País, p. 8

Ex-presidente do Paraguai tem prisão decretada na Lava-Jato
Chico Otavio
Daniel Biasetto
Juliana Castro
Bernardo Mello



O ex-presidente paraguaio Horacio Cartes, de 64 anos, foi o alvo principal da Operação Patrón, deflagrada ontem pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Polícia Federal (PF). A ação, um desdobramento da Lava-Jato no Rio, mirou o braço paraguaio da organização de Dario Messer, conhecido como doleiro dos doleiros. Uma ordem de prisão contra Cartes foi expedida pelo juiz Marcelo Bretas, que também pediu a inclusão do ex-presidente na Difusão Vermelha da Interpol e sua extradição para o Brasil.

Amigos desde a década de 1990, Cartes e Messer são acusados de lavagem de dinheiro e organização criminosa. Além do ex-presidente paraguaio, foram expedidos pela 7ª Vara Federal Criminal do Rio mandados de prisão contra mais 19 pessoas e outros 18 de busca e apreensão. De acordo com a investigação, cerca de US$ 20 milhões foram ocultados no esquema, sendo grande parte desse valor (mais de US$ 17 milhões) em um banco nas Bahamas. O restante foi distribuído no Paraguai entre doleiros, casas de câmbio, empresários, políticos e uma advogada.

O advogado de Cartes disse que ele “está tranquilo” diante da decretação da prisão no Brasil por suposto envolvimento em crimes de lavagem de dinheiro.

— Desconhecemos a denúncia que levou à decisão do juiz. Cartes sempre respondeu que não teve vínculos comerciais ou societários com (Dario) Messer. Ele nega de maneira enfática. — disse à imprensa o advogado Carlos Palacios.

O GLOBO não localizou as defesas dos presos e dos outros citados.

PRISÕES EM FAMÍLIA

A namorada do doleiro, Myra de Oliveira Athayde; a mãe dela, a ex-deputada federal Alcione Athayde; e o padrasto de Myra, Arleir Francisco Bellieny, também foram presos. Para o MPF, Myra, a mãe e o padrasto auxiliavam o transporte e o recebimento de recursos financeiros ocultos do doleiro. Alcione já foi presa quando era subsecretária de Saúde do estado. Em 2008, ela foi detida depois de investigação da Polícia Civil do Rio sobre fraudes no governo de Rosinha Garotinho.

Foi por meio de Myra que os investigadores conseguiram chegar ao doleiro para prendê-lo. Era em nome dela que estava alugado o apartamento que serviu de esconderijo paraMes ser. Entre os elementos que basearam a operação de ontem estão mensagens de WhatsApp e telas capturadas dessas conversas que foram armazenadas pelo doleiro. Em uma das mensagens a que os procuradores tiveram acesso, a namorada do doleiro escreveu: “Não consigo nem raciocinar tanto dinheiro por minuto kkkkk”.

Outro diálogo encontrado no aparelho de Messer indica que havia, em janeiro deste ano, um crédito de US$ 700 mil à disposição do doleiro no Paraguai. Daí, seriam debitados valores entre US$ 10 e 15 mil mensais que deveriam ser entregues a Myra pelo doleiro paraguaio Jorge Alberto Ojeda Segovia, conhecido como Finolo.

A namorada de Messer também recebia dinheiro por meio do fazendeiro Antonio Joaquim da Mota, sócio de frigoríficos no Mato Grosso do Sule no Paraná. Conversa sindicam que Mota ocultava US$ 232 mil do doleiro com o compromisso de mensalmente entregar US$ 10 mil a Myra. Nas mensagens, Messer contabiliza os pagamentos de despesas suas e da namorada. Em julho deste ano, restavam U S $192,8 mil. Foi numa propriedade de Mota em Pedro Juan Caballero que, segundo o MPF, o doleiro se refugiou durante parte do período em que estava foragido. Os procuradores afirmam que a família Mota teria ligação com contrabando de cigarros, tráfico de drogas e de armas.

Antes, em maio de 2018, logo após ter a prisão decretada na Operação Câmbio, Desligo, Messer ficou em fazendas de outro empresário, Roque Fabiano Silveira, de Salto del Guairá. Roque Silveira é procurado da Justiça por dois homicídios no Brasil — de um empresário em 1996 e de um servidor da Receita Federal, em 2006. Ele é conhecido no Paraguai pelo apelido de “Zero Um” por ter se tornado um dos empresários mais poderosos do país e ter feito fortuna com fabricação de cigarros contrabandeados para o Brasil.

Os investigadores apontam que a organização criminosa liderada pelo doleiro era especializada em lavagem de dinheiro, sonegação de impostos e evasão de divisas que beneficiavam políticos, jogadores de futebol, empresários e artistas. Os movimentos chegariam a mais de US$ 1,6 bilhão relacionados a mais de 3 mil empresas offshores com contas em 52 países.

As mensagens capturadas no celular de Messer mostram uma negociação entre a advogada paraguaia Leticia Bobeda — contratada inicialmente pelo doleiro para destravar o confisco de bens pela Justiça paraguaia — que previa o suborno do ministro do Interior do Paraguai, Juan Ernesto Villamayor, por US$ 2 milhões para que Messer não fosse extraditado ao Brasil e ficasse apenas em prisão domiciliar, caso se entregasse no país vizinho. Villamayor é chefe de gabinete do presidente paraguaio em exercício, Mario Abdo Benitez.

— Havia precedente de suborno com esse mesmo ministro. Um criminoso brasileiro teria pago US$ 600 mil para não ser extraditado e efetivamente não foi. Não posso garantir se esse dinheiro foi de fato entregue ou não — afirmou o procurador regional da República José Augusto Vagos.