O Globo, n. 31543, 17/12/2019. Economia, p. 21

Acordo entre China e EUA e reformas: cenário benigno
Gabriel Martins
João Sorima Neto


O cenário externo, com o acordo entre Estados Unidos e China, levou o dólar comercial a encerrar ontem a R$ 4,061, com queda de 1,13%, o menor patamar desde os R$ 3,993 registrados em 5 de novembro. Além disso, a expectativa de uma retomada mais robusta da economia no ano que vem contribuiu para que o risco-país, medido pelo contrato de CDS (credit default swap, espécie de seguro contra calote da dívida pública) recuasse aos 98 pontos, o menor nível desde novembro de 2010.

Já o Ibovespa, índice de referência da Bolsa brasileira, depois de atingir o recorde intraday de 113.196 pontos, encerrou em queda de 0,59%, aos 111.896 pontos.

A chamada fase 1 de um acordo entre China e Estados Unidos, confirmada na última sexta-feira pelos dois países, é considerada positiva pelos investidores. O acordo, primeiro passo para o fim da guerra comercial iniciada em março de 2018, prevê a redução de medidas protecionistas impostas por Washington à China.

— Ainda fica uma sombra nos mercados, que continuam à espera de detalhes sobre esta medida e sobre as próximas negociações entre China e Estados Unidos. De toda forma, esse acordo retira boa parte das tensões no cenário global, contribuindo para uma melhor performance dos índices — explicou Danilo Cápua, sócio da Guelt Investimentos.

Expectativa com ‘rating’

O cenário interno, por sua vez, contribuiu para que o risco-país, medido pelo contrato de CDS, recuasse a 98 pontos. É o menor patamar desde 8 de novembro de 2010, quando o indicador estava em 97 pontos.

De acordo com analistas, os investidores já olham para o Brasil como um país com grau de investimento, mesmo sem que as agências de classificação de risco tenham alterado o rating do país. No último dia 11, a Standard & Poor’s (S&P) mudou a perspectiva para a nota de crédito do Brasil de neutra para positiva — o que significa que ela pode ser elevada —, citando avanços na área fiscal. As notas hoje são “BB-” (longo prazo) e “B” (curto prazo).

— O mercado já está prevendo que o Brasil voltará a ser investment grade. Está antecipando um movimento que tende a acontecer — afirmou Mauricio Pedrosa, estrategista da gestora Áfira.

Álvaro Bandeira, economista-chefe do banco digital Modalmais, destaca a condução das reformas e a perspectiva de uma economia mais forte no ano que vem:

— Quando o CDS chegou ao patamar de 120 pontos, o Brasil já estava sendo visto, pelo mercado, como um país com grau de investimento.O upgrade no rating não é tão rápido, segue todo um protocolo, mas o mercado avalia o Brasil de forma mais positiva. A condução das reformas e a perspectiva de um crescimento mais consistente em 2020 corroboram essa visão.

Entre os membros do Brics, aquele com menor risco-país é a China, com 34 pontos (no início do mês, estava em 38 pontos). Depois vem a Rússia, com 53 pontos (no início de dezembro, eram 69), e a Índia, com 67 pontos (66 no início do mês). O Brasil, porém, tem um risco-país menor que o da África do Sul, com 168 pontos (no início de dezembro, 187).

Na América do Sul, o Chile tem um CDS de 42 pontos (há duas semanas, 56). A Colômbia também tem uma posição melhor que a do Brasil: 72 pontos (90 no início do mês). Já o CDS da Argentina, em crise econômica, está em 3.925 pontos. Mas até o CDS argentino recuou: no início de dezembro, era de 4.643 pontos.

Há expectativa de que o novo presidente argentino, Alberto Fernández, anuncie um pacote de medidas econômicas, depois de um imposto sobre compras feitas em dólares, que vai incidir inclusive sobre passagens aéreas.

— O impacto pode ser em áreas como o setor automobilístico. Entretanto, para o mercado, não impacta muito — disse Pedrosa, da Áfira.

Ações em queda

No mercado acionário, os papéis da Via Varejo (dona de Casas Bahia e Ponto Frio) subiram 3,56% com a expectativa de aumento do consumo com a retomada da economia. O indício de uma fraude contábil no balanço da empresa, cujo impacto chegaria a R$ 1,4 bilhão, não prejudicou o desempenho das ações.

Já os papéis da Vale, que operaram em alta ao longo de quase todo o dia por conta de dados positivos da economia chinesa, fecharam com recuo de 0,78%. A produção industrial da China teve crescimento de 6,2% em novembro, acima das expectativas de analistas, de 5%.

O frigorífico Marfrig disse que o aumento dos impostos para exportação na Argentina não terá impacto material no resultado da empresa. A receita líquida da Marfrig na Argentina representa 3,6% do consolidado. Ainda assim, suas ações fecharam em queda de 0,37%. Entre as concorrentes, a BRF avançou 2,33%, enquanto a JBS recuou 0,55%.

O setor bancário, de maior peso no Ibovespa, também encerrou em baixa. As ações ordinárias (ON, com direito a voto) do Banco do Brasil caíram 1,36%. Os papéis preferenciais (PN, sem voto) do Bradesco e do Itaú Unibanco recuaram, respectivamente, 1,51% e 2,29%.

Entrevista: Silvio Campos Neto

A queda do risco-país indica uma mudança de sentimento em relação ao Brasil, que passa a ser visto como menos arriscado para o investidor estrangeiro, diz Campos Neto, da consultoria Tendências.

Por que o risco-país caiu a menos de 100 pontos?

Há duas razões. A externa é que o acordo comercial entre China e EUA, na chamada fase 1, foi fechado. Embora não resolva o problema definitivamente, ele minimiza o risco de a economia global encolher ainda mais.

E a outra razão?

Esta é interna. Há de fato uma melhora do ambiente econômico no país. Isso muda o sentimento dos investidores em relação ao Brasil. A mudança de perspectiva de estável para positiva, anunciada na semana passada pela Standard & Poor’s, ajuda a queda do risco. E o grande calcanhar de aquiles do governo, que é a dinâmica da dívida pública, melhora com juros baixos. Ao lado disso, temos indicadores mais consistentes da economia.

Com CDS mais baixo, o país volta a atrair capital estrangeiro?

Pela via dos juros, não. O CDS é um bom sinal, mas o fluxo positivo de recursos terá que se materializar nas próximas semanas, via Bolsa ou investimento direto.

O investimento direto está em um bom patamar, não?

Tem vindo dinheiro para comprar empresas, participações. Antes, havia empréstimos intercompanhias, mas as empresas também faziam caixa aqui para aplicar na renda fixa com juros altos. Isso não existe mais.

O risco-país pode cair mais?

Para 2020 não existe um grande evento, como a eleição presidencial, que possa trazer muita volatilidade. A expectativa é que a economia continue ganhando tração e consistência com juros. O risco-país é um sinal positivo, mas é preciso que nas próximas semanas o fluxo financeiro comece a se estabilizar.

Entrevista: Álvaro Frasson

Com um risco-país de 98 pontos, o Brasil volta a ter um seguro contra calote da dívida no mesmo nível de quando estava no grupo dos países com grau de investimento. Quando o mercado começa a atribuir a um país baixo risco de calote, as agências também tendem a melhorar a nota de crédito, diz Álvaro Frasson, economista do BTG Pactual digital.

O que explica esse risco-país mais baixo para um país que não tem grau de investimento?

O acordo comercial entre China e EUA, nesta primeira fase, deixa o clima menos tenso no exterior. Isso fez com que o risco-país dos países emergentes, categoria em que o Brasil está, caísse. Chile e Rússia, aliás, tiveram quedas maiores que o Brasil. Portanto, não é um movimento de queda exclusivo do Brasil. É generalizado para emergentes.

E qual o fator interno que ajudou nessa queda?

A mudança de viés do rating de crédito brasileiro, de estável para positivo, pela Standard & Poor’s, na semana passada, acelerou esse movimento. Mostra que o país está em um caminho fiscal com perspectiva de melhora.

E isso vai atrair mais investimento estrangeiro?

O investidor estrangeiro passa a olhar com mais atenção. A percepção de risco melhora. Mas essa queda permanente tem que ficar e depende mais de fatores internos, que são as reformas, o crescimento econômico mais consistente. O Brasil tem mais espaço para avançar na agenda fiscal. Ela só começou. Basta que governo e Congresso tenham melhor coordenação.

A consequência é um CDS mais baixo. E quando o mercado começa a precificar um risco mais baixo, as agências de classificação de risco acabam sendo forçadas a melhorar a nota do país. Hoje, mesmo considerando que temos um cenário econômico diferente, estamos com um CDS no patamar de quando tínhamos grau de investimento.