Correio Braziliense, n. 20698, 23/01/2020. Política, p. 3

Fux ignora Toffoli e irrita Maia

Renato Souza



O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), derrubou uma liminar do presidente da Corte, Dias Toffoli, e suspendeu, por tempo indeterminado, a aplicação do juiz das garantias, previsto na lei anticrime, aprovada pelo Congresso. Toffoli havia decidido que a medida entraria em vigor dentro de 180 dias. Fux, que é relator de quatro ações apresentadas no Supremo contra as mudanças na legislação, assumiu o plantão do tribunal no recesso do Poder Judiciário — o expediente voltará ao normal em fevereiro. Até lá, ele decide sobre situações urgentes que chegam para análise da Corte. Como a decisão tem caráter liminar, deve ser apreciada pelo plenário. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) considerou a suspensão “desrespeitosa com o Congresso, com o presidente da República e, principalmente, com o presidente do Supremo”.

Fux atendeu a um pedido de partidos políticos. Ele entendeu que a criação da figura por iniciativa do Congresso pode violar a Constituição, pois cabe ao STF e demais cortes superiores propor ao Legislativo normas sobre alteração no Poder Judiciário. “Encontra-se demonstrado pelas evidências de que há vícios de inconstitucionalidade formal e material na redação dos artigos impugnados”, afirmou em um trecho da decisão. Além disso, ele suspendeu uma norma, também da lei anticrime, prevendo que o preso fosse colocado em liberdade nos casos em que a audiência de custódia não se realizasse dentro de 24 horas após a reclusão.

O magistrado adotou tom crítico em relação à liminar de Toffoli. “Ao contrário do Poder Legislativo e do Poder Executivo, não compete ao Supremo Tribunal Federal realizar um juízo eminentemente político do que é bom ou ruim, conveniente ou inconveniente, apropriado ou inapropriado”, escreveu. A lei anticrime reúne propostas do ministro da Justiça, Sérgio Moro, do ministro do STF Alexandre de Moraes e de congressistas.

Moro comentou no Twitter: “Sempre disse que era, com todo respeito, contra a introdução do juiz de garantias no projeto anticrime. Cumpre, portanto, elogiar a decisão do ministro Fux”, escreveu. “Uma mudança estrutural da Justiça brasileira demanda grande estudo e reflexão.”

O procurador Deltan Dallagnol também aprovou. “Ótima notícia. Em vez de reformas que melhorem nosso sistema de Justiça, que é disfuncional contra poderosos, as mudanças vêm trazendo retrocessos ou criando insegurança jurídica no trabalho anticorrupção”, publicou no Twitter.

O advogado criminalista João Paulo Boaventura explicou que, apesar de não ser comum, Fux tem a prerrogativa de revisar a decisão de Toffoli por ser o relator das ações. “Fato é que a vigência da regra processual do juiz das garantias já estava suspensa pelo ministro-presidente, afastando, portanto, o perigo da demora. O mais prudente, nesse caso, seria o relator preparar o caso para julgamento do mérito, pelo plenário, dentro do prazo de suspensão”, explicou.