O Globo, n. 31547, 21/12/2019. Economia, p. 31

Briga por poder: desavença familiar

João Sorima Neto
Leo Branco


No mais grave capítulo de uma guerra que complica a recuperação da Odebrecht, Emílio, patriarca do grupo, demitiu o filho Marcelo, que presidiu a companhia até 2015, alegando justa causa. A saída foi antecipada pelo colunista LAURO JARDIM no site do GLOBO. A disputa entre pai e filho se aprofundou nesta semana co matroca de comando do grupo, cujo futuro será decidido em assembleia no dia 29 de janeiro. Ruy Sampaio, homem de confiança de Emílio, acusa Marcelo de chantageara empresa, que tem dívidas de R $98,5 bilhões, após sua delação na Lava-Jato. Para o ex-presidente, Sampaio comete abuso de poder.

Adisputa familiar pelo comando da Odebrecht teve uma reviravolta ontem coma demissão do ex-presidente da companhia Marcelo Odebrecht, por determinação do patriarca do grupo, Emilio Odebrecht. Marcelo, que presidiu a empresa até 2015, foi demitido por justa causa, sem direito a indenização. Em comunicado enviado a gestores das 20 empresas do grupo, o novo executivo no comando, Ruy Sampaio, informou que “Marcelo não é mais integrante da Odebrecht S.A. e, portanto, não mais poderá utilizar os serviços de qualquer natureza ”. A saída de Marcelo foi antecipada pelo colunista do GLOBO Lauro Jardim. Segundo credores, abriga por poder agrava a situação da companhia, que acumula dívidas de R$ 98,5 bilhões e precisa aprovar em assembleia um plano de recuperação que prevê pagamento de dívidas em até 50 anos. Marcelo Odebrecht mantinha um cargo de diretor na empresa e recebia salário de R$ 115 mil, mas estava afastado de funções executivas desde que foi preso em 2015. Ele usava serviços de um motorista e um advogado do grupo. Marcelo havia sido escolhido pelo avô e fundador da empresa, Norberto Odebrecht, como sucessor na terceira geração familiar. Após a Operação Lava-Jato, a prisão de Marcelo, o acordo de colaboração como Ministério Público Federal (MPF) e o rompimento de relações com Emilio, o patriarca indicou outro filho, Maurício, para ser o futuro mandatário da Kieppe, a holding familiar que controla a empresa. “Na condição de ex-integrante e acionista indireto minoritário da companhia, Marcelo Odebrecht terá os mesmo direitos, deveres e tratamento conferidos aos demais acionistas. Doravante, todas as comunicações deverão ser feitas somente através dos mesmos canais utilizados pelos acionistas da família Odebrecht, centralizados na Kieppe, a holding familiar que controla o grupo”, diz o texto de Sampaio.

A briga entre Emilio e Marcelo subiu de temperatura nesta semana com a troca do comando do grupo. Emilio decidiu colocar Sampaio, homem de sua confiança, na presidência, no lugar de Luciano Guidolin. Além disso, deu sinal verde para que pessoas ligadas a Marcelo, que permanecem na companhia, sejam substituídas. O primeiro alvo foi Zaccaria Junior, diretor de Relações com a Imprensa, e que atuava como assessor de imprensa de Marcelo.

Troca de acusações

Sampaio tem longa trajetória no grupo, no qual ingressou em 1985, e já presidiu a Kieppe. Ao chegar à presidência da Odebrecht, virou o principal desafeto de Marcelo, que enviou e-mails ao setor de compliance da companhia e a diretorias com críticas ao executivo. Nas mensagens, reveladas pela Folha de S.Paulo, Marcelo coloca na conta do pai erros que teriam levado o grupo à crise, especialmente a omissão em relação ao que transcorria na companhia. Ele afirma que Sampaio atuou em favor dos próprios interesses e dos de Emilio para evitar investigações que poderiam incriminá-lo. Marcelo afirma que Sampaio chegou a intermediar e receber pagamentos indevidos, o que estaria registrado no sistema da Odebrecht para gerir o “departamento de propina”. Marcelo disse ao GLOBO esta sem anaque a Lava-Jato foi o gatilho para a derrocada do grupo, mas que a empresa não soube conduzir o processo. — A Odebrecht quebrou por manipulações internas, não apenas pela Lava-Jato. Éramos uma empresa extremamente descentralizada. Ninguém sabia de fato o que o outro havia feito de errado — afirmou na ocasião. Ontem, ao jornal Valor Econômico, Sampaio acusou Marcel ode chantageara empresa. Segundo o executivo, Marcelo recebeu R$ 240 milhões para assinar a colaboração com o MPF e teria pedido um VGBL (plano de previdência privada) equivalente a seus ativos, mais metade dos valores depositados na Suíça para pagar as multas impostas pelo MPF. Além disso, reivindicava o compromisso de que seria ressarcido de todo o patrimônio que viesse a perder. No total, teria pedido R$ 310 milhões, o que Sampaio classificou como uma chantagem em busca de “dinheiro e poder”. Na semana passada, Marcelo já havia recebido o primeiro golpe ao ser barrado na entrada da empresa por ordem do pai. O clima bélico complica a recuperação do grupo, que terá seu futuro definido em assembleia no dia 29 de janeiro. — Será que os bancos vão fazer força para deixar a empresa em condições de sobreviver enquanto a família controladora briga? — diz uma fonte ligada às negociações. Especialistas em recuperação judicial avaliam que, se sobreviver,a empresa ficará muito menor doque hoje, com estrutura demais de 20 subsidiária sem 17 áreas de negócios. Para eles, há risco de sobrar apenas a construtora.

— Esse clima nos bastidores aumenta a desconfiança sobre o cumprimento do plano de recuperação — avalia uma advogada de credores.

Marcelo vê abuso de poder

Em nota, Marcelo Odebrecht afirma que sua demissão é “a demonstração inequívoca de mais um ato de abuso de poder do atual presidente da Odebrecht”, com o objetivo de paralisar a apuração pelo compliance de fatos que atingem o executivo. A Odebrecht informou que a saída de Marcelo atende a recomendação de monitores externos independentes do MPF e do Departamento de Justiça dos EUA, que atuam na empresa há dois anos e meio.