Correio Braziliense, n. 20693, 18/01/2020. Política, p. 4

Repúdio em escala global

Luiz Calcagno


Goebbels foi um dos mais cruéis ministros da propaganda. Isso é nojento. É positivo que Alvim tenha sido demitido.” Quem sentencia é Gábor Hirsch, 89 anos, sobrevivente de Auschwitz, ao saber do vídeo do então secretário de Cultura Roberto Alvim parafraseando um discurso do ministro nazifascista. Há 75 anos, no fim da 2ª Guerra Mundial, Hirsch escolheu permanecer no campo de concentração, pois não tinha mais força para longas caminhadas. Os Aliados estavam a caminho, e deixar o local com os soldados nazistas significaria a morte. O ex-prisioneiro representa, em sua fala, o sentimento de milhares de judeus, muitos deles filhos, netos ou bisnetos das vítimas da máquina de genocídio nazista.

Hirsch mora em Zurique, na Suíça, e falou exclusivamente ao Correio. Na manhã de ontem, a presidente da Associação Cultural Israelita de Brasília, Tamara Socolik divulgou uma nota. No texto, ela afirma que a comunidade judaica do Distrito Federal foi surpreendida com a notícia do pronunciamento de Alvim “apresentando a nova política governamental para a pasta da Cultura para o Brasil, inspirado nos valores da política nazista e fazendo uso de ferramentas de Joseph Goebbels, ministro da propaganda nazista de Hitler”. “Diante de tamanha afronta, não apenas à comunidade judaica, mas à diversidade cultural que caracteriza o nosso país, a Associação Cultural Israelita de Brasília (Acib) se soma à condenação expressada pela Confederação Nacional Israelita do Brasil (Conib) e apoia a exoneração do secretário de seu cargo”, escreveu Socolik.

A Conib, por sua vez, tachou de inaceitável “o uso de discurso nazista pelo secretário da Cultura do governo Bolsonaro”. O texto destacou que a apresentação de Alvim “é um sinal assustador da sua visão de cultura, que deve ser combatida e contida”. “Goebbels foi um dos principais líderes do regime nazista, que empregou a propaganda e a cultura para deturpar corações e mentes dos alemães e dos aliados nazistas a ponto de cometerem o Holocausto, o extermínio de 6 milhões de judeus na Europa, entre tantas outras vítimas. O Brasil, que enviou bravos soldados para combater o nazismo em solo europeu, não merece isso”, afirmou a nota.

A Embaixada da Alemanha no Brasil também repudiou o vídeo institucional da Secretaria Especial da Cultura. De acordo com a representação, “o período do nacional-socialismo é o capítulo mais sombrio da história alemã, trouxe sofrimento infinito à humanidade”. “A Alemanha mantém sua responsabilidade. Opomo-nos a qualquer tentativa de banalizar ou mesmo de glorificar a era do nacional socialismo”, divulgou a representação diplomática nas redes sociais. E a Embaixada de Israel afirmou que “a comunidade judaica e o Estado de Israel estão unidos no combate a todas as formas de antissemitismo”. “Por esta razão, a Embaixada de Israel apoia a decisão do governo brasileiro de exonerar o secretário especial de Cultura, Roberto Alvim. O nazismo e qualquer uma de suas ideologias, personagens e ações não devem ser utilizados como exemplo em uma sociedade democrática sob nenhuma circunstância”, acrescentou o texto.

O vídeo institucional em que o então secretário de Cultura, no exercício da função, parafraseia Gobbels também foi notícia em jornais internacionais. O jornal francês Le Figaro, por exemplo, repercutiu o assunto, bem como a agência portuguesa Lusa. O jornal americano The New York Times afirmou que Alvim foi demitido por “evocar propaganda nazista”", e que o ex-secretário acabou criticado por autoridades brasileiras e, até mesmo, pelo astrólogo e guru de bolsonaro, Olavo de Carvalho.

Os textos mais contundentes vieram da revista alemã Der Spiegel e do jornal espanhol El Pais. O primeiro veículo chamou o presidente da República de populista de direita e definiu o posicionamento de Alvim no vídeo como assustador. Já o jornal europeu deu ênfase à nota de Bolsonaro a respeito da demissão do ex-secretário, na qual o presidente fala em “pronunciamento infeliz”.

Frases

Há poucos dias,  Bolso [presidente Jair Bolsonaro] elogiou o nazi secretário com muitas frases elogiosas. Alvim sempre foi o que vimos, ele sempre se mostrou. Ele tá saindo porque pegou mal demais, não por ser criminoso o pronunciamento. E é"

Zélia Duncan cantora

"Bom, Alvim caiu. Tinha que cair, mas não adianta comemorar. Só caiu pq foi flagrado. Deu muito na cara. Esse governo pensa exatamente como ele. Todo mundo já sacou. Entrará outro no lugar com o mesmo pensamento de aniquilar as diferenças. Esse é o projeto de cultura desse governo"

Alexandro Nero, ator

"Está na hora da classe artística, teatral, editorial, cinematográfica, que está calada, porque precisa do dinheiro de incentivos, fundos, Ancine e programas estatais, deixar de se acovardar e pegar o trombone. Já derrubamos muitas ditaduras. Mas nas ruas!"

Marcelo Rubens Paiva, escritor

“O secretário ultrapassou todas as fronteiras. Os milhões de cadáveres do nazismo cobram que sua exoneração seja imediata, como repúdio a um regime que causou profunda infelicidade à humanidade e, em especial ao povo judeu”

Felipe Santa Cruz, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil.

Sou brasileiro de família judia. Seis milhões de judeus morreram por causa do nazismo. Usar a cultura para fazer revisionismo histórico é perverso e violento. O vídeo do secretário Roberto Alvim é criminoso. Revela uma conduta autoritária inaceitável"

Luciano Huck, apresentador e pré-candidato a presidência em 2022.

Eles nem se escondem mais, citando Joseph Goebbels (ministro da propaganda na Alemanha nazista)”

Marcelo D2, cantor e compositor

“Ao valer-se da estética nazista para dar seu recado nitidamente totalitário, com o selo oficial do governo federal, o sr. Roberto Alvim cruzou todos os limites da civilidade e do respeito ao Estado de direito, às instituições democráticas e ao povo"

Movimento de renovação política Agora!

“O pronunciamento oficial de um secretário de Estado, reproduzindo, em forma e conteúdo, a política de propaganda de um regime totalitário, mundialmente repudiado pelos prejuízos causados à humanidade, é inaceitável”

Associação Juízes para a Democracia

”Cá entre nós, pra mim essa polêmica toda criada pelo nazistAlvim não passa de mais uma jogada do (des)governo Bozo pra desviar a atenção do que eles consideram o maior perigo, que é o escândalo (mais um) de corrupção na Secom”

Mário Lago Filho, escritor