Correio Braziliense, n. 20693, 18/01/2020. Política, p. 2

Nazismo caboclo derruba secretário

Luiz Calcagno
Augusto Fernandes
Renato Souza
Rodolfo Costa


O diretor de teatro Roberto Alvim ocupou o cargo de secretário especial da Cultura do governo Bolsonaro por 72 dias. O dramaturgo deixou o governo ontem, após interpretar o ministro da propaganda nazista Joseph Goebbels em um vídeo institucional, ao anunciar, no exercício da função, um programa do governo voltado para premiar artistas. Alvim não só usou um trecho do discurso adaptado às suas falas, como reproduziu o semblante sisudo do homem acusado de crimes contra a humanidade. Com uma Cruz de Lorena à direita, ainda usou como trilha sonora a ópera Lohengrin, de Richard Wagner, compositor favorito de Adolf Hitler.

A emulação mais evidente a Goebbels no vídeo ocorre em uma fala do ex-secretário, quando Alvim afirma que "a arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional, será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional, e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes do nosso povo — ou então não será nada". No livro Joseph Goebbels: Uma biografia, do historiador alemão Peter Longerich, consta o discurso do ministro da propaganda: "A arte alemã da próxima década será heroica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande pathos (potência emocional) e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada".

Convite a atriz
Alvim tentou se defender. Disse que se tratou de uma "coincidência com uma frase do discurso de Goebbels". "Não o farei e jamais o faria. Foi, como eu disse, uma coincidência retórica, mas a frase em si é perfeita: heroísmo e aspiração do povo é o que queremos ver na arte nacional", argumentou.

Pouco depois, porém, Bolsonaro exonerou Alvim. "Comunico o desligamento de Roberto Alvim da Secretaria de Cultura do Governo. Um pronunciamento infeliz, ainda que tenha se desculpado, tornou insustentável a sua permanência. Reitero nosso repúdio às ideologias totalitárias e genocidas, bem como qualquer tipo de ilação às mesmas. Manifestamos também nosso total e irrestrito apoio à comunidade judaica, da qual somos amigos e compartilhamos valores em comum", disse, em nota.

Horas após a exoneração de Alvim, a atriz Regina Duarte, de 72 anos, foi convidada pelo presidente Jair Bolsonaro para assumir a Secretaria Especial de Cultura. Ela pediu tempo para conversar com a família e deve dar uma resposta hoje.

Logo após a exoneração de Alvim, parlamentares correram até o Executivo para indicar um substituto. "Mais de 40 políticos entraram em contato para sugerir alguém", informou ao Correio uma fonte do alto escalão do governo federal.

''Passou de todos os limites''

As reações ao vídeo elaborado por Roberto Alvim foram instantâneas. Toda a Praça dos Três Poderes criticou com veemência o discurso inspirado na ideologia nazista e muitas das frases de repúdio ao agora ex-secretário especial da Cultura destacaram que a postura dele é “inadmissível”, “infeliz” e “inaceitável”, como classificou o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). “O secretário da Cultura passou de todos os limites. É inaceitável”, afirmou o deputado, que iniciou o movimento pelo afastamento de Alvim. “O governo brasileiro deveria afastá-lo urgente do cargo”, escreveu o democrata, horas antes da exoneração.

Os presidentes do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF) também se colocaram contra Alvim. Judeu, o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) lamentou a forma escolhida por Alvim para divulgar o vídeo institucional. “Manifesto veementemente meu total repúdio a essa atitude”, afirmou o parlamentar, que também clamou pelo “afastamento imediato” de Alvim pelo pronunciamento “de assombrosa inspiração nazista” e ao qual classificou como “acintoso, descabido e infeliz”.

“É inadmissível termos representantes com esse tipo de pensamento. E, pior ainda: que se valha do cargo que ocupa para explicitar simpatia pela ideologia nazista e, absurdo dos absurdos, repita ideias do ministro da Informação de Adolf Hitler, que infligiu o maior flagelo à humanidade”, condenou Alcolumbre.

O ministro Dias Toffoli, por sua vez, definiu o discurso como uma “inaceitável agressão”. “Há de se repudiar com toda a veemência a inaceitável agressão que representa a postagem feita pelo secretário de Cultura. É uma ofensa ao povo brasileiro, em especial à comunidade e judaica”, disse o presidente do Supremo.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, endossou as críticas. Segundo o chefe do Ministério Público Federal (MPF), “a única ideologia política admissível no estado brasileiro é o regime democrático participativo”. “Toda e qualquer doutrina que atente contra ideologia participativa há de merecer a rejeição da sociedade brasileira”, analisou. Aras acrescentou que “a liberdade de expressão deve ser relativizada – somente neste contexto – quando se revela a promoção de doutrinas nazifascistas que importam na destruição da própria democracia”.

Líderes partidários do Congresso reforçaram as declarações de Maia e Alcolumbre. Presidente nacional do MDB, o deputado Baleia Rossi (SP) reclamou do “infame ‘copia e cola’ da propaganda nazista” produzida pela Secretaria Especial da Cultura. O o líder do Novo na Câmara, deputado Marcel van Hattem (RS) classificou a fala de Roberto Alvim como “absurda, nauseante”.  “Quem recita Goebbels e faz pronunciamento totalitário não pode servir a governo nenhum no Brasil”, afirmou.

Frases

“O secretário da Cultura passou de todos os limites. É inaceitável”, afirmou o deputado, que iniciou o movimento pelo afastamento de Alvim. “O governo brasileiro deveria afastá-lo urgente do cargo”,

Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados

“É inadmissível termos representantes com esse tipo de pensamento. E, pior ainda: que se valha do cargo que ocupa para explicitar simpatia pela ideologia nazista e, absurdo dos absurdos, repita ideias do ministro da Informação de Adolf Hitler, que infligiu o maior flagelo à humanidade”

Davi Alcolumbre (DEM-AP), Presidente do Senado Federal

“Inadmissível, repugnante e patológica a atitude de Roberto Alvim, de copiar o discurso de um nazista. Além disso, ao ressaltar que a arte brasileira será profundamente vinculada às aspirações urgentes do povo, ele a descaracteriza como uma manifestação da criação e da liberdade para transformá-la em um instrumento pró-ditadura”

Carlos Sampaio, deputado federal (PSDB-SP)

“É repugnante e inaceitável o discurso (de Alvim). Não pode haver espaço para esse tipo de apologia de ideias que levaram a crimes de lesa-humanidade.”

Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente

“A riqueza da manifestação cultural repele o dirigismo autoritário nacionalista”. “A arte é, na sua essência, transformadora e transgressora. O que faz do Brasil um país grandioso é a força da sua cultura, fruto de um povo profundamente miscigenado e diversificado”

Gilmar Mendes, ministro do STF

“Milhões de seres humanos foram mortos como consequência deste tipo de discurso.”

Ciro Gomes (PDT), ex-governador do Ceará.

“Lamentável que nos dias de hoje alguém faça apologia ao nazismo Uma vergonha e deplorável, sobretudo por vir de um representante público"

João Doria (PSDB), governador de São Paulo

“A demissão do secretário resolveu o problema. Agora é atribuição do presidente encontrar outra pessoa de direita para a pasta, que é uma das mais infiltradas e aparelhadas pela esquerda"

Sóstenes Cavalcante, deputado federal (DEM-RJ)

"O presidente agiu certo e de forma ágil"

Marcos Pereira (Republicanos-SP), vice-presidente da Câmara

“Ele (Bolsonaro) foi cirúrgico”

Carla Zambelli, deputada federal, (PSL-SP). O ex-partido do presidente divulgou nota dizendo que era "inadmissível aceitar tal posicionamento partindo de um representante de um país democrático."