O Estado de S. Paulo, n. 46889, 04/03/2022. Política, p. A8

Afronta à segurança pública


 

É sabido que Jair Bolsonaro tenta armar a população. Seu intento agride a Constituição, o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003) e a experiência consolidada relativa às boas práticas de segurança pública. Trata-se de um total disparate, que felizmente não recebeu nenhuma acolhida do Congresso. Assim como se vê em tantos outros itens de sua agenda do retrocesso, o bolsonarismo está sozinho em sua pretensão de aumentar o número de armas de fogo na sociedade.

No entanto, apesar desse isolamento, a família Bolsonaro continua agindo para promover o armamento da população. No ano passado, na véspera do feriado de carnaval, em plena pandemia, o governo federal divulgou quatro decretos que ampliaram o acesso a armas de fogo e afrouxaram o seu controle pelo poder público. As medidas do Executivo desrespeitavam a Lei 10.826/2003 e foram questionadas no Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu, por liminar, parte de seu conteúdo. A análise do caso pelo plenário da Corte está suspensa desde setembro de 2021 em razão de pedido de vista do ministro Kassio Nunes.

Agora, segundo revelou o Estadão, o terceiro filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (União Brasil-SP), vem articulando um movimento nas assembleias estaduais para facilitar o porte de armas para os chamados CACs (caçadores, atiradores e colecionadores). Levantamento do jornal identificou projetos de lei com a mesma finalidade em 13 Estados e no Distrito Federal, apresentados até o início de fevereiro. Ao menos em Rondônia e no Distrito Federal, as propostas já foram aprovadas.

A manobra é escandalosa. A Polícia Federal (PF) é o órgão competente para analisar a necessidade dos pedidos de porte de arma pela população civil. Pois bem, os projetos de lei estadual buscam reduzir esse poder de controle da PF classificando os CACs, maior segmento armado do País, como “atividade de risco”. Com isso, a polícia tem mais dificuldade para negar pedidos de porte de arma feitos pelos CACs, que, vale lembrar, já são autorizados a transitar com armas municiadas no deslocamento entre a casa e o local oficial de tiro. Ou seja, com um falso pretexto de segurança dos CACs, o bolsonarismo deseja que essas pessoas tenham porte de armas liberado permanentemente, o que afronta a legislação brasileira.

Em abril de 2020, quando Jair Bolsonaro revogou três portarias técnicas do Comando Logístico (Colog) do Exército sobre monitoramento de armas e munições, Eduardo Bolsonaro justificou a interferência do pai em assunto do Exército alegando que havia no País “pela primeira vez um presidente não desarmamentista”. Eis a confusão bolsonarista. Jair Bolsonaro pode ter a opinião que quiser sobre armas de fogo e sonhar com o dia em que sejam revogados todos os controles sobre compra, transporte e uso de armas, mas não é ele quem faz as leis. É o Congresso.

Por isso, quando o bolsonarismo atua para burlar as condições e restrições da lei, ele não apenas instiga a violência. Ele afronta as atribuições do Legislativo.