Título: Escritório a céu aberto
Autor: Rafael Rosas
Fonte: Jornal do Brasil, 06/03/2005, Economia & Negócios, p. A19

Grandes empresas usam regatas e caminhadas rústicas para estimular competitividade entre seus funcionários

Segunda-feira de sol no Rio de Janeiro. Dia certo de tristeza e lamentação para executivos obrigados a trabalhar engravatados e fechados em escritórios. Mas não para 54 gerentes das áreas de marketing, comercial e de desenvolvimento da Bayer CropScience em todo o Brasil, que participaram na semana passada de um treinamento ao ar livre em quatro veleiros que partiram do Iate Clube do Rio em direção às ilhas Cagarras, junto à orla da Zona Sul.

Organizado pela Mistralis, o treinamento teve como objetivo desenvolver o trabalho em grupo e o surgimento de lideranças espontâneas, comparando o dia-a-dia de uma companhia com o funcionamento de uma embarcação a vela - que era totalmente controlada pelos executivos.

Para os acostumados à realidade das salas de aula, as atividades ao ar livre podem parecer estranhas, mas a companhia alemã parece aprovar a idéia de uma atividade em que o preço por participante pode chegar a R$ 600 para um projeto com duração de um dia e meio.

- Passamos por uma reestruturação recente e o treinamento no barco aumenta a integração, já que todos têm que trabalhar para manter o rumo no sentido correto - diz Jean Zonato, gerente de culturas e mercado da Bayer Brasil.

A Mistralis, empresa incubada no Ibmec-RJ, desenvolve projetos para aperfeiçoar o treinamento de grandes companhias do país - como Correios e Petrobras - desde 2001 e sempre trabalha com veleiros. Os programas duram de um a dois dias e englobam palestras e análise do desempenho dos funcionários, sempre conectadas com o dia-a-dia.

- As empresas buscam novidades. Muitos nos procuram porque estão cansados de métodos que já ficaram tradicionais, como caminhadas - explica Felipe Caire, diretor da Mistralis.

Entre os treinamentos mais tradicionais mencionados por Caire está o Teal, sigla para Treinamento Experiencial ao Ar Livre, patenteado no Brasil pela consultoria Dinsmore, que atua no país desde 1992.

- As empresas buscam aumento de capacidade dos profissionais. Por isso, damos grande importância ao diagnóstico dos problemas da empresa para só então definirmos que atividade será feita - diz Soraia Barreto, diretora de gestão de mudanças da Dinsmore.

Entre os principais clientes da consultoria estão companhias do porte da Leader Magazine, Amil e Hamburg Süd. A procura pelo Teal é baseada no tipo de atividade desenvolvida, que exige o trabalho eficiente em equipe para o cumprimento de tarefas simples, como caminhadas, escaladas e passagens por buracos.

- As pessoas vivenciam na prática que se um não caminhar junto, ninguém anda - completa Soraia, acrescentando que, apesar do clima de leveza, o trabalho é sério. - É divertido, mas não é diversão.

Mas o céu não é sempre azul para os adeptos do treinamento ao ar livre. Eduardo Queiroz, diretor da Outward Bound Brasil (OBB), braço nacional de uma Organização Não-Governamental britânica com 60 anos de atuação na área educacional em 32 países, é taxativo ao apontar as limitações deste tipo de treinamento.

- As possibilidades são infinitas, mas se o funcionário não estiver aberto para absorver o treinamento, não adianta nada - garante, explicando que os envolvidos só podem se aventurar em atividades para as quais estejam preparados. - Obrigar uma pessoa a participar de um treinamento deste tipo pode causar um forte trauma.

E ele sabe do que fala. Depois de anos trabalhando no mercado financeiro, participou, por opção, de uma caminhada de 15 dias com outros executivos nas montanhas do estado americano de Montana.

- Com sete dias eu queria voltar por causa do estresse e das dificuldades. Mas acabei ficando. No 15º dia, uma montanha de fichas caiu na minha cabeça - afirma, lembrando que a OBB nasceu em 2000 e operou no vermelho até meados de 2003.

Hoje, clientes como Unibanco e Unilever pagam treinamentos que custam entre R$ 250 e R$ 450 por participante ao dia e garantem receita suficiente não apenas para pagar as despesas, mas também para complementar a educação de menores carentes que estudam em ONGs como Meninos do Morumbi e Projeto Arrastão.

- Nosso trabalho com as empresas não pode ser pontual. Faz parte de toda uma estratégia de RH para conseguir o melhor resultado, com diagnóstico de problemas e busca pelas melhores soluções. O trabalho não começa, nem acaba, na aventura - diz Queiroz.