Correio Braziliense, n. 20629, 15/11/2019. Economia, p. 6

Recuo e debate sobre a MP

Vera Batista


A direção da Caixa Econômica Federal recuou da iniciativa de ampliar a jornada de trabalho de seis para oito horas (com exceção dos caixas), para se adequar às determinações da Medida Provisória (MP) 905, conforme o Correio adiantou, na edição de ontem. A justificativa foi de que não poderia ferir as regras dos editais dos concursos que seus servidores prestaram, apesar do que constava de uma circular interna — que em certo trecho dizia que “diante da alteração legal, a Caixa, empresa pública federal, seguindo os princípios inerentes à administração pública, em especial da legalidade e da eficiência, informa que as medidas para implementação da jornada legal já estão em curso.”

Só que a dúvida entre os servidores dos poderes Executivo e Judiciário, que só trabalham seis horas por dia, permaneceu. Segundo especialistas, as novas regras só têm condições de valer para futuros concursados. Caso o governo federal decida aplicar as imposições da MP, editada terça-feira e que flexibiliza os contratos de trabalho, ao pessoal atualmente na ativa, vai ter problemas. Afinal, a expansão dos gastos é imediata — o que se choca com as metas de ajuste fiscal da equipe econômica do presidente Jair Bolsonaro.

“Não é possível aumentar a carga horária sem aumentar o salário proporcionalmente. Caso contrário, a medida é inconstitucional e fere o princípio da irredutibilidade de vencimentos”, garante Mônica Sapucaia Machado, especialista em direito político e econômico e professora da Escola de Direito do Brasil.

A Caixa ou qualquer outra empresa estatal que tenha a intenção de alterar o expediente, teria que consultar primeiro os trabalhadores, e obter o consentimento de cada um. “Os contratos de trabalho da CEF são originários dos editais de processo seletivo público. Se nesses editais não estiver previsto aumento de carga horária, com aumento de vencimentos, será necessária a negociação com o empregado e aceitação da nova jornada.”

Por meio de nota, o Ministério da Economia informou que não há qualquer dispositivo na MP 905 que afete o serviço público. “De acordo com a Lei nº 8.112, a jornada de trabalho dos servidores deve respeitar a duração máxima de 40 horas semanais, com a exceção das demais jornadas estabelecidas em leis especiais, como para alguns cargos da área de saúde, por exemplo.”

O ministério lembrou ainda que a Instrução Normativa nº 2, de setembro de 2018, “estabelece que o servidor público da administração pública federal direta, autárquica e fundacional pode requerer a redução da jornada de trabalho”. Também por meio de nota, a Caixa adiantou que “os reflexos da MP 905/2019 estão em avaliação.”

Somente para os novos

A constitucionalista Vera Chemim, especialista em direito público administrativo, explica que, apesar dos objetivos de modernização da MP 905, alguns pontos podem ser contestados — entre eles, o respeito ao direito adquirido.

“Assim, tal regra, se aprovada, só valerá para trabalhadores ou servidores admitidos a partir da data da vigência. Há que se respeitar, respectivamente, o contrato de trabalho e as normas que vigiam à época da admissão por concurso público”, enfatiza.

Vera alerta que, mesmo que apenas os futuros servidores sejam admitidos no novo modelo, a forma de contratação não pode ferir o direito fundamental individual. “Regras diferenciadas para os trabalhadores correm o risco de afrontar o princípio da igualdade.”