Correio Braziliense, n.20560, 07/09/2019. Brasil. p.6

Justiça impede censura a livro na Bienal do Rio
Jorge Vasconcellos
Deborah Fortuna



O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) concedeu ontem liminar à organização da Bienal do Livro, realizada na capital carioca, que impede a prefeitura da cidade de ''buscar e apreender'' obras no local e de cassar a licença de funcionamento do evento. A decisão atende a um mandado de segurança preventivo apresentado pela Bienal depois de a Secretaria de Ordem Pública (Seop) da prefeitura ter enviado fiscais para identificar e lacrar publicações com conteúdo ''impróprio''.

O caso ganhou repercussão nacional e foi um dos mais comentados nas redes sociais e no meio político, em meio a acusações de censura contra o prefeito Marcelo Crivella. Em vídeo divulgado nas redes, o político evangélico anunciou ter determinado a apreensão do livro Vingadores - A cruzada das crianças, um HQ da Marvel. Segundo o prefeito, o livro contém imagens impróprias para crianças e adolescentes. A publicação traz uma história em quadrinhos sobre uma aventura dos Jovens Vingadores. Uma das páginas mostra o desenho de dois homens se beijando.

A mensagem de Crivella, no entanto, teve o efeito oposto. Segundo a Bienal, as vendas do livro dispararam após o anúncio do prefeito, a ponto do estoque da obra se esgotar. A liminar, concedida pelo desembargador Heleno Ribeiro Pereira Nunes, determina que o município não poderá retirar livros de circulação em ''função do seu conteúdo, notadamente aquelas que tratam do homotransexualismo''.

Durante a fiscalização na Bienal, o subsecretário de Operações da Seop, coronel Wolney Dias, informou que a ação era uma determinação da Procuradoria-Geral do município. ''Se o livro não estiver seguindo as recomendações de estar lacrado e com a orientação quanto ao conteúdo, nós vamos apreender esse material'', disse Dias, ao chegar à Bienal. Ao fim da fiscalização, no entanto, nenhuma publicação havia sido apreendida, segundo os organizadores do evento.

Em nota, a prefeitura explicou que a obra estava lacrada, mas não havia advertência de conteúdo impróprio para crianças e adolescentes. A prefeitura garante que não houve ''qualquer ato de trans ou homofobia ou qualquer tipo de censura à abordagem feita livremente pelo autor''.

Os vereadores Tarcísio Motta e Renato Cinco, ambos do PSol, entraram com representação no Ministério Público do estado solicitando uma investigação sobre a fiscalização realizada pela prefeitura. Segundo eles, há indícios de improbidade administrativa, censura prévia e violação do direito à liberdade de expressão.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, Hélder Salomão (PT-ES), criticou Marcelo Crivella. ;A atitude do prefeito é mais um retrocesso para cercear a liberdade. Mistura censura, autoritarismo e fundamentalismo;, disse. Por meio de uma rede social, o ex-ministro do Meio Ambiente Carlos Minc engrossou o coro de críticas: ''Se um jovem é chicoteado, o bispo Crívella não acha imoral. Se estudante é assassinado a tiro de fuzil, Crívella não vê sentimento religioso agredido. Se casal LGBT é agredido, tampouco é objeto de ação do prefeito. Mas se há um beijo gay na HQ, joga a guarda. O que choca é o amor?''