O Globo, n. 31552, 26/12/2019. País, p. 8

Pelo Brasil, uma série de proposições que (não) vão mudar sua vida
Alice Cravo


De norte a sul, ao menos um ponto une as Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais do país em 2019: as leis de impacto social no mínimo duvidoso. Em Pernambuco, um projeto busca obrigar estabelecimentos a identificar, em placa, a forma certa de dar descarga no banheiro. Em Belém (PA), menores de 18 anos são proibidos por lei de soltarem pipas. Já em Governador Celso Ramos (SC), a lotação máxima de um quarto alugado deve ser de dois adultos e duas crianças de até 12 anos.

Em Minas, uma proposta busca incluir na grade escolar “os princípios da filosofia chinesa contidos na arte marcial Kung Fu”. No Rio, uma lei transformou a cerveja artesanal em patrimônio cultural de natureza imaterial do estado.

— O patrimônio é a referência cultural mais preciosa de um povo. Como eu vou salvaguardar uma cerveja artesanal? Isso é algo corriqueiro, não é uma marca identitária —afirmou o diretor de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Hermano Queiroz.

O deputado Carlo Caiado (DEM-RJ), um dos responsáveis pela lei, defende que a cerveja artesanal é, sim, parte da identidade do Rio.

— Isso traz desdobramentos em dois sentidos: as micro cervejarias fazendo seus próprios bares, e a produção sendo vendida para mercados e bares sem especialização —afirmou.

Para o cientista político Humberto Dantas, leis como esta sobrecarregam a agenda legislativa, além de colaborar com os gastos das assembleias. O rombo orçamentário de estados como Rio, que está em regime de recuperação fiscal, não impede legalmente iniciativas de deputados que gerem despesas.

— Se um partido tivesse que se debruçar de maneira séria sobre essas leis, nunca teriam sido criadas. O que importa é aprovar qualquer coisa que diga que houve atuação em uma causa — critica Dantas.

Em São Paulo, foi aprovada uma lei que cria o “dia da oração pelas autoridades da nação”. O dispositivo, que não aponta quem são as autoridades envolvidas, é classificado como “norma penal em branco” pela advogada Anna Julia Menezes, especialista em Direito Penal.

— A lei não traz o procedimento de aplicação e fiscalização. Sem a regulamentação, o que vai ocorrer em caso de descumprimento depende de um decreto. Sem o decreto, é de difícil ou impossível aplicação —explicou.

Na Câmara dos Deputados, uma proposta busca proibir o uso do termo “carne” e derivados —como “bife” e “hambúrguer” — em alimentos sem origem animal. Com isso, terminologias como “hambúrguer de soja” não poderiam mais ser usadas.