Correio Braziliense, n.20675, 31/12/2019. Mundo, p.10

Expulsão de três diplomatas agrava crise
Rodrigo Craveiro


A poucas horas do fim de 2019, o governo interino da Bolívia transformou em grave crise diplomática um incidente envolto em dúvidas e colocou em xeque as relações com o México e com a Espanha para o próximo ano. A presidente interina boliviana, Jeanine Áñez, anunciou ontem que a embaixadora mexicana em La Paz, María Teresa Mercado; a encarregada de negócios da Embaixada da Espanha, Cristina Borreguero; e o cônsul espanhol, Álvaro Fernández, têm até quinta-feira para sair do país. A ex-senadora que ascendeu ao poder após a renúncia de Evo Morales classificou o trio como “personas non gratas” e avisou: “A Bolívia não é mais colônia de ninguém”. “O governo constitucional que eu presido decidiu declarar ‘personas non gratas’ (os três representantes) e o grupo de supostos diplomatas com capuzes e armados, solicitando-lhes que abandonem o país em um prazo de 72 horas”, declarou.

De acordo com ela, “o grupo de representantes dos governos do México e da Espanha lesionou gravemente a soberania e a dignidade do povo e do governo constitucional da Bolívia”. Áñez se referiu a uma visita dos espanhóis à residência oficial da embaixadora mexicana (leia o Entenda o caso), que abriga ministros leais a Morales em asilo político, entre eles Juan Ramón Quintana, braço-direito de Morales. “Nós tememos que o que iam fazer era tirar um criminoso comum como Juan Ramón Quintana; isto foi abortado”, disse o ministro do Governo (Interior), Arturo Murillo.

Madri utilizou o princípio da reciprocidade diplomática como resposta e também deu 72 horas para que três diplomatas bolivianos deixem o território espanhol: Luis Quispe Condori, encarregado de negócios da Embaixada da Bolívia; o agregado militar Marcelo Vargas Barral; e o policial Orso Fernando Oblita Siles. As autoridades mexicanas, por sua vez, admitiram a tensão nas relações com La Paz, mas negaram o desejo de romper relações com os bolivianos. “Sem dúvida, a relação é tensa, mas até agora a Secretaria de Relações Exteriores (SRE, chancelaria) não tem intenção de romper relações diplomáticas com a Bolívia e manterá a embaixada naquele país”, disse a secretária de Governo, Olga Sánchez Cordero, segundo o jornal El Universal, da Cidade do México.

Com a expulsão de María Teresa Mercado, a representação do México ficará a cargo da conselheira Ana Luisa Vallejo. O ministro das Relações Exteriores mexicano, Marcelo Ebrard, prometeu fornecer todo o apoio aos funcionários da embaixada e ressaltou a importância do trabalho da embaixadora. “Reconheço a atuação valiosa da embaixadora María Teresa Mercado na Bolívia, que conseguiu representar plenamente o México e sua causa em favor do asilo e da paz. Serão sempre sinal de orgulho sua integridade e seu apego à melhor tradição da política externa de nosso país”, escreveu no Twitter.

Retórica

Doutor em ciência política e professor da Universidade Católica Boliviana San Pablo (em La Paz), Marcelo Arequipa citou uma frase do ex-vice-presidente dos Estados Unidos Joe Biden ao comentar a crise diplomática. “Ele dizia que a política externa é uma extensão das relações pessoais. Efetivamente, isso é o que ocorre na Bolívia”, explicou. O especialista disse que o ministro do Governo, Arturo Murillo, e o ex-presidente Jorge Tuto Quiroga insistem na detenção de Quintana. “Por isso, eles subiram o tom da linguagem diplomática e adotaram uma retórica beligerante. A chanceler Karen Longaric emitiu declarações polêmicas, ao levantar suspeitas de que os agentes que acompanharam os diplomatas à Embaixada do México estivessem armados”, afirmou.

Arequipa lembrou que, nos dias seguintes à renúncia de Morales, havia um vazio de poder em La Paz e se instalou uma mesa de pacificação integrada pelo embaixador da União Europeia, a Embaixada da Espanha e a Conferência Episcopal da Bolívia. “Eles atuaram como mediadores para negociar com o Movimento ao Socialismo, com (o opositor) Luiz Fernando Camacho e com democratas para viabilizar a sucessão constitucional. Além de não agradecerem à Espanha por esse papel, os bolivianos adotaram uma posição mais personalista das relações internacionais.”

TUITADAS

“Reconheço a atuação valiosa da embaixadora María Teresa Mercado na Bolívia, que conseguiu representar plenamente o México e sua causa em favor do asilo e da paz. Serão sempre sinal de orgulho sua integridade e seu apego à melhor tradição da política externa de nosso país”

Marcelo Ebrard, ministro das Relações Exteriores do México

Personas non gratas

Quem são os diplomatas sancionados por La Paz

María Teresa Mercado

» Com 42 anos de serviço na chancelaria, foi ratificada como embaixadora do México na Bolívia em 10 de abril passado. Natural da Cidade do México, é formada em relações internacionais pela Universidad Nacional Autónoma de México (Unam) e também conta com certificados em cursos de negócios, promoção turística e diplomacia comercial. Atuou em vários postos diplomáticos, incluindo na Dinamarca, na Holanda, na Bélgica, em Luxemburgo e na Argentina.

Cristina Borreguero

» Encarregada de negócios da Embaixada da Espanha em La Paz

Álvaro Fernández

» Cônsul da Espanha

Diplomatas bolivianos expulsos por Madri

Luis Quispe Condori

» Encarregado de negócios da Embaixada da Bolívia em Madri

Marcelo Vargas Barral

» Agregado militar

Orso Fernando Oblita Siles

» Policial

Eu acho...

“Haverá uma crise diplomática entre os três países. O próximo governo eleito da Bolívia terá a incumbência de reconstruir essas relações, que se encontram bastante danificadas. Não falamos somente de nações periféricas, mas também da Espanha, que integra a União Europeia. Falamos de um bloco de integração, algo forte para o povo boliviano.”

Marcelo Arequipa, doutor em ciência política e professor da Universidade Católica Boliviana San Pablo (em La Paz)