Correio Braziliense, n.20611, 28/10/2019. Artigos, p. 11

Claudio Sales e Alexandre Uhlig - Lei Geral de Licenciamento Ambiental: copo meio cheio?
Claudio Sales
Alexandre Uhlig



Dependendo do ponto de vista, um copo pode estar meio cheio ou meio vazio. Algumas pessoas dão atenção à parte cheia e agradecem a água que lhes saciará a sede. Outras observam a mesma imagem, mas, insatisfeitas, concentram-se na parte vazia. É assim que percebemos a discussão do Projeto de Lei Geral do Licenciamento Ambiental: um grupo achando que o texto está equilibrado, enquanto outro afirma que a proposta torna o licenciamento ambiental “exceção, em vez de regra”.

O grupo de trabalho criado pelo presidente da Câmara dos Deputados para discutir o projeto vem, desde maio deste ano, se reunindo e ouvindo especialistas para chegar a um texto que atenda aos interesses das diferentes partes e torne o processo de licenciamento ambiental mais uniforme e previsível em todo o país.

A motivação do presidente da Câmara faz todo sentido, uma vez que a ausência de uma lei federal permite que cada unidade da Federação defina o próprio rito e não existam critérios uniformes para a avaliação da viabilidade ambiental de empreendimentos que provocam impactos sobre o meio ambiente e a sociedade.

Entre maio e início de agosto, foram apresentadas quatro versões de texto pelo coordenador do grupo de trabalho, deputado Kim Kataguiri, sendo que a última delas gerou forte reação de ONGs ligadas a temas ambientais, que se organizaram e mobilizaram três parlamentares (deputados Nilto Tatto, Rodrigo Agostinho e Talíria Petrone) que, por sua vez, apresentaram um texto alternativo à quarta versão. Comparamos os dois e concluímos que existem mais consensos que dissensos.

Os consensos começam com a manutenção da base do texto e dos principais artigos como: (a) o texto que mantém a necessidade de fundamentação técnica para as condicionantes ambientais; (b) o artigo que estabelece condições especiais para o licenciamento de empreendimentos que mantêm programas voluntários de gestão ambiental; (c) o trecho que prevê termos de referência padrão para diferentes tipologias de atividades; (d) o artigo que prevê a emissão de licença prévia única para um conjunto de empreendimentos; (e) e a possibilidade de aproveitamento de diagnóstico de estudo ambiental anterior. Enfim, vários exemplos de medidas que fazem parte das duas propostas e permitirão que o processo de licenciamento seja mais célere e previsível.

Por seu lado, o ponto inegociável de discordância diz respeito à dispensa de licenciamento ambiental dos empreendimentos agrossilvipastoris e da ampliação e pavimentação de estradas existentes. Na proposta apresentada pelo deputado Kim, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) substituiria o licenciamento ambiental dos empreendimentos agrossilvipastoris. No entanto, como o CAR não foi criado com o objetivo de licenciar empreendimentos, a alternativa para solucionar o impasse seria substituir a “dispensa” do licenciamento ambiental pelo estabelecimento de um processo simplificado, no qual o órgão ambiental, logo no início do processo, determinaria o rito e os prazos para o licenciamento dos empreendimentos agrossilvipastoris e da ampliação e pavimentação de estradas existentes. Essa é alternativa que traria a previsibilidade tão esperada pelos agricultores e concessionária de estradas.

Na proposta alternativa apresentada pelos três parlamentares, ainda existem sugestões para manter algumas atuais — e altamente indesejáveis — incertezas do processo de licenciamento por meio da retirada de artigos, como o que dispensaria a apresentação das certidões de uso pelos municípios, um instrumento que apenas tem servido como imposição de obstáculo para prefeituras “pleitearem” benefícios sem nenhuma motivação baseada na melhoria ambiental no processo de licenciamento.

É hora de abrir mão das vaidades e retomar o diálogo. Afinal, ambas as partes defenderam suas posições e ambas conquistaram vitórias expressas nos dois textos (o do projeto do deputado Kim Kataguiri e o texto alternativo). Só falta um pouco de boa vontade para que, com cessões parciais e recíprocas, seja encaminhada uma proposta consensual para votação no plenário da Câmara dos Deputados. A retomada do crescimento e a geração de empregos (...)

CLAUDIO SALES
Presidente do Instituto Acende Brasil

ALEXANDRE UHLIG
Diretor do Instituto Acende Brasil

Leia mais: http://www.cbdigital.com.br