O Estado de São Paulo, n. 46529, 09/03/2021. Metrópole, p.A21

 

 

 

Brasil restaura só 0,5% de florestas previstas em Paris

 

 


Retomada Verde . Plataforma inédita mapeia projetos de restauração no Brasil; dados iniciais, ainda subestimados, indicam 66 mil hectares em resgate ativo

 

Giovana Girardi

 

Com uma meta de restaurar 12 milhões de hectares de áreas desmatadas até 2030, o Brasil tem um desafio enorme para resolver em apenas nove anos. É o que indica um estudo inédito que buscou levantar projetos de restauração já em desenvolvimento em todo o País. Ele mapeou a existência de somente cerca de 66 mil hectares sendo restaurados ativamente com árvores nativas – o que representa 0,55% do compromisso. O dado faz parte do novo Observatório da Restauração e Reflorestamento, iniciativa que será lançada hoje pela Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura – rede que reúne representantes do agronegócio, dos principais bancos do País, da academia e do ambientalismo. O grupo pondera que o levantamento (com dados de campo georreferenciados e tecnologia de monitoramento via satélite), ainda subestimado, é só um primeiro esforço de mapear esses projetos e que o número real é bem maior – certamente existem muitos outros que ficaram abaixo do radar e a ideia é que ele continue sendo alimentado com o tempo. Mas já começa a suprir uma lacuna que até então não existia e dá noção da necessidade de mais ações e também da oportunidade econômica.

Uma pesquisa divulgada no ano passado pelo Wri-brasil, um dos parceiros do observatório, indicou a restauração florestal como um caminho para uma retomada verde da economia do País por ser um instrumento para geração de emprego e renda. O trabalho calculou um retorno de US$ 2,39 para cada dólar investido para a restauração com árvores nativas em um período de 20 anos.

O observatório tem como objetivo mostrar o que já está sendo feito, a fim de estimular novos projetos e parcerias, mas também apontar onde estão os principais gargalos e vazios no País. De acordo com Laura Lamonica, coordenadora de Relações Institucionais da coalizão, além de visibilidade para as iniciativas, a plataforma traz também transparência e confiabilidade nos dados de restauração em escala nacional. Com o mapeamento vai ser mais fácil definir onde são os melhores lugares para fazer novas restaurações – de modo a, por exemplo, unir florestas que estão isoladas, fazer corredores ecológicos, contar com mão de obra que já foi formada, saber onde tem viveiro de mudas, banco de sementes, etc, e criar incentivos para essas áreas –, explica Marcelo Matsumoto, especialista em sistema de informação geográfica do Wri-brasil.

No futuro, a plataforma permitirá identificar os benefícios que os projetos estão gerando, como captura de carbono, melhora da qualidade do solo e água e geração de emprego e renda. A maioria dos projetos de restauração mapeados até o momento pelo observatório está na Mata Atlântica (93%), sendo 38,7% desses em São Paulo. Na escala de municípios, porém, o que mais está restaurando é o Rio (3,3 mil hectares).

Essa desigualdade ocorre, por um lado, porque a Mata Atlântica é o bioma que foi mais desmatado no País – restam somente cerca de 12% de remanescentes da floresta original – e é onde mais ocorreram acordos com Ministério Público de ajustamento de conduta para cumprimento do Código Florestal.

Além disso, a nova plataforma começou a ser alimentada com informações de outras bases regionais, como a feita pelo Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, hoje o mais organizado grupo do tipo. Mas os pesquisadores que organizaram o trabalho estimam que a maior parte dos projetos, nesse momento, deve estar na Amazônia, informação que eles pretendem obter rapidamente a partir do momento em que a plataforma estiver no ar.

Uma das motivações de criar o observatório, de acordo com Matsumoto, foi justamente a noção de que existem muitas iniciativas de restauração no País, mas elas são pequenas e isoladas, o que acaba sendo um entrave para que ganhem escala. Com o primeiro levantamento, a ideia é que agora essa base seja alimentada com outros projetos, de modo a ajudar a alavancar o processo para que o Brasil possa cumprir seus compromissos.

 

Regeneração. O observatório traz ainda dois outros dados importantes para entender o contexto da restauração no Brasil. Foram mapeadas as áreas que passam por um processo de regeneração natural – uma pastagem abandonada, por exemplo, que voltou a ser floresta, e também projetos de reflorestamento para fins comerciais (grandes extensões de monocultura, em geral ocorrem com árvores exóticas para a produção de madeira, papel e celulose).

 

Exemplo

10 milhões

de hectares é a regeneração natural, que responde pela maior fatia de recuperação, de acordo com o mapeamento – 96% na Amazônia. O dado foi obtido com base na análise temporal de imagens de satélites do projeto Mapbiomas, que revelam a mudança em áreas anteriormente degradadas.

 

PARA ENTENDER

Meta definida pelo governo

A meta de 12 milhões de hectares foi proposta pelo próprio governo federal, em 2015, como parte da contribuição oferecida pelo País no Acordo de Paris – o esforço de praticamente todos os países do mundo para reduzir o aquecimento global. Além da manutenção de florestas, o replantio daquelas que foram devastadas é considerado uma das maneiras mais baratas e fáceis de retirar carbono da atmosfera – justamente o principal gás de efeito estufa.