Valor Econômico, n. 5225, 09/04/2021, Brasil

 

Bancos federais vão devolver ao Tesouro R$ 199 bilhões até 2031
Murillo Camarotto
09/04/2021

 

 

 

Os cinco bancos federais que receberam recursos da União por meio da emissão direta de títulos públicos se comprometeram a devolver R$ 198,8 bilhões ao Tesouro Nacional até o final de 2031. O cronograma definido recentemente entre o governo e as instituições financeiras prevê uma concentração dos pagamentos nos próximos dois anos, sendo R$ 107 bilhões em 2021 e R$ 60,5 bilhões em 2022.

Em janeiro, o Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu que as operações estavam em desconformidade com a Lei de Responsabilidade Fiscal e solicitou a elaboração de um plano para o retorno dos recursos. Na avaliação do órgão de controle, os empréstimos, que somaram cerca de R$ 464 bilhões entre 2008 e 2015, teriam sido feitos “à margem do mercado competitivo”.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) promete devolver R$ 154,2 bilhões ao Tesouro até o fim do ano que vem, não restando nenhum compromisso para todos os exercícios seguintes. Já Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste e Banco da Amazônia vão desembolsar parcelas menores ao longo do período de dez anos.

No caso do BNDES, o cronograma prevê o retorno de R$ 100 bilhões ao longo deste ano, dos quais R$ 38 bilhões já foram pagos. Os R$ 54,2 bilhões restantes foram programados para 2022, segundo uma nota conjunta do Ministério da Economia à qual o Valor teve acesso.

Segunda maior credora, a Caixa se comprometeu a devolver R$ 35 bilhões referentes a cinco operações com títulos públicos realizadas entre 2007 e 2013. Para este ano, está previsto o pagamento de R$ 7 bilhões. Ao analisar o cronograma proposto pelo banco, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) chamou a atenção para o prazo solicitado, considerado longo, e expôs divergências relacionadas às prioridades de quitação desejadas pela Caixa.

O Banco do Brasil sinalizou que pretende devolver R$ 8,1 bilhões em oito parcelas, a serem pagas entre 2022 e 2029. O montante se refere a um contrato de Instrumento Híbrido de Capital e Dívida (IHCD) assinado em 2014. Os recursos, segundo a nota, teriam sido aplicados em cerca de 13 mil operações de crédito voltadas à agricultura familiar.

Com valores de devolução menores, de R$ 1 bilhão e R$ 500 milhões, respectivamente, o Banco da Amazônia (Basa) e o Banco do Nordeste (BNB) sugeriram ao Tesouro um prazo mais curto. O Basa quer cinco parcelas de R$ 200 milhões entre 2022 e 2026, e o BNB sugeriu três prestações de R$ 167 milhões entre 2022 e 2024. Procurado, o BB informou que não iria comentar o caso.

O Banco do Nordeste, em nota, apenas confirmou o envio de “uma previsão de devolução do instrumento de dívida, desde que atendidas as condições de segurança quanto aos indicadores e requerimentos de capital”. O Basa não havia se manifestado até a conclusão desta edição.

Em todos os casos, a STN e os bancos consideraram a preservação da segurança jurídica dos empréstimos feitos pelos bancos com os recursos oriundos dos títulos. Houve, no entanto, divergências interpretativas entre os cronogramas apresentados e o entendimento do Ministério da Economia sobre as operações.

A principal envolve a Caixa. O banco quer incluir na relação de operações sujeitas à devolução um contrato assinado em 2007, no valor de R$ 5,2 bilhões. Esse caso não consta entre os declarados irregulares pelo TCU, até porque não se tratou de emissão direta de títulos públicos, mas sim de transferência de recursos em espécie, em favor do banco.

Além de incluí-lo no cronograma, a Caixa quer colocar esse contrato no topo das prioridades para o retorno dos recursos. A STN não gostou da ideia e defendeu que os pagamentos comecem pelas operações consideradas irregulares, mas sujeitou o caso para análise do TCU. Procurada, a Caixa não respondeu.

Também há ruídos na proposta apresentada pelo BNDES. O Tesouro não gostou do pedido para que um pagamento de R$ 13,3 bilhões seja condicionado à resolução de uma controvérsia entre o banco e a União, por meio de solução consensual na Câmara de Conciliação e Arbitragem Federal ou decisão judicial.

Além da fixação de um cronograma para a devolução do dinheiro, o TCU determinou ao Tesouro que se abstivesse de realizar qualquer nova emissão de títulos da dívida pública em favor de bancos federais, “ressalvadas as destinadas ao Banco Central do Brasil e as demais situações expressamente previstas em lei”.

Por causa dessas excepcionalidades, a STN acabou deixando de fora do cronograma algumas operações que consistiram em emissão de títulos em favor dos bancos, mas que estariam amparadas em políticas públicas que continuavam ativas quando o TCU manifestou sua decisão.

Entre esses programas, está o Proex Equalização, que dá subsídios a exportadores para tornar os encargos financeiros compatíveis com os praticados no mercado internacional. A situação também enquadra o Fundo de Compensação de Variações Salariais, voltado a garantir o limite de prazo para amortização da dívida dos mutuários decorrentes de financiamentos habitacionais.

Para esses casos, a STN manifestou uma interpretação preliminar de que estariam enquadrados como exceções e, portanto, poderiam ficar de fora do cronograma apresentado. Procurado, o Tesouro informou que não iria comentar o relatório.