O Globo, n. 32038, 25/04/2021, Economia, p. 18

 

Número de habeas corpus apresentados ao STF triplica em dez anos
Rayanderson Guerra
25/04/2021

 

 

 

O número de pedidos de habeas corpus levados ao Supremo Tribunal Federal (STF) triplicou nos últimos dez anos. Levantamento do GLOBO com base em dados da Corte mostra que, de 2011 a 2020, a quantidade de ações do tipo passou de 4.461 para 14.295 — aumento de 220% —, enquanto a taxa de decisões favoráveis tomadas pelos ministros caiu; uma delas ocorreu na semana passada, sobre HC ajuizado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que anulou as condenações do petista na Lava-Jato.

Os números, além de evidenciarem uma sobrecarga do STF com processos relativos a prisões espalhadas por todo o país, expõem o aumento no encarceramento. Conforme revelado pelo colunista Lauro Jardim, do GLOBO, o STF alcançou neste mês a marca de 200 mil habeas corpus recebidos em sua história. De 2009 até 2016, chegavam à Corte, em média, quatro mil pedidos do tipo por ano, mas o cenário mudou em 2017. Desde então, o acervo ultrapassou o patamar de dez mil processos do tipo por ano, atingindo o recorde de ações em 2020. De acordo com o professor Gustavo Mascarenhas, do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), dois pontos explicam o aumento. O primeiro é a mudança de entendimento na Corte, tornando possível a análise no STF sem julgamento prévio de instâncias anteriores. A aprovação da Lei de Drogas, que causou o crescimento no número de detenções, é o outro motivo apontado.

— Em 2014, o ministro Marco Aurélio Mello tomou a posição de analisar todos os casos e, a partir de então, se supera o entendimento da súmula 691, de que só caberia habeas corpus no STF após julgamento colegiado no STJ (Superior Tribunal de Justiça). A Lei de Drogas causou uma explosão carcerária, e essa massa pressiona o Supremo. Na minha opinião, a jurisprudência é a correta. Não dá para uma pessoa ficar presa sem a análise do caso por uma questão processual —explica. Dados mais recentes do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, mostram que o número de presos triplicou desde 2000: de 232,7 mil para 773,1 mil, no primeiro semestre de 2019. Nos últimos dez anos, o crescimento foi de 50% no número de detentos.

EUA: MENOS CASOS

O modelo jurídico brasileiro guarda semelhanças com o dos Estados Unidos. Apesar de a Justiça americana também aceitar pedidos de habeas corpus em casos que tratam sobre a privação de liberdades e direito de ir e vir, a Suprema Corte julga apenas cerca de cinco mil ações por ano. Os pedidos de habeas corpus, quase sempre, são encerrados nos tribunais estaduais. O advogado Paulo José Castilho, especialista em Direito Constitucional, afirma que, por ser um tribunal de última instância, o STF acaba sobrecarregado de ações cíveis e criminais.

— O Supremo deveria ser apenas uma Corte constitucional e não uma última instância do Poder Judiciário. Onze ministros não têm capacidade de dar vazão a tantos processos. Evidentemente, deveria haver uma reforma sobre as competências do Supremo. Hoje, além de guardião da Constituição, o STF julga milhares de casos cíveis e criminais.

PLENÁRIO É EXCEÇÃO

Na semana passada, os 11 ministros do STF se debruçaram sobre um habeas corpus ajuizado pela defesa do ex-presidente Lula. O colegiado já definiu que a 13ª Vara Federal de Curitiba, então comandada pelo juiz Sergio Moro, não era o o foro competente para julgá-lo. Já há maioria no plenário também para validar a decisão da Segunda Turma que considerou o ex-magistrado parcial na análise do processo do triplex do Guarujá — interrompido por um pedido de vista, o julgamento ainda não foi finalizado.

Do início do ano até agora, o STF julgou 5.921 pedidos como o de Lula. Apesar do alto número apreciado pelos ministros, apenas 1% das ações é levado ao plenário. A decisão de analisar casos específicos no Pleno, e não nas turmas, é prevista no regimento do tribunal, mas levantou críticas entre os próprios integrantes, caso do ministro Ricardo Lewandowski:

— Minha estranheza é que, dos milhares de habeas corpus que a Primeira e a Segunda Turmas julgam o ano todo, por que justamente o caso do ex-presidente é submetido ao plenário?