Título: Aumento instala crise no Congresso
Autor: Paulo de Tarso Lyra
Fonte: Jornal do Brasil, 04/03/2005, País, p. A4

O sepultamento da proposta de aumento salarial dos parlamentares provocou ontem um abismo político entre Câmara e Senado. Revoltados com a decisão do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), de impedir um reajuste para R$ 19.115 por intermédio de um ato conjunto das duas Mesas Diretoras, o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE) e seus aliados não pouparam críticas ao comandante do Congresso.

- Sempre ajo respeitando o outro. Eu não agiria como ele fez - reclamou Severino.

O segundo vice-presidente da Câmara, Ciro Nogueira (PP-PI), afirmou que o reajuste de salários está descartado, mas o aumento das verbas de gabinetes ainda será discutido.

Severino, no entanto, negou que esta seja sua prioridade:

- Verba de gabinete é outra história, essa idéia não é minha, é da Mesa Anterior. Não vamos discutir isso agora.

O presidente da Câmara não escondeu sua irritação. Afirmou que ''Câmara é Câmara e Senado é Senado'', alegando que jamais agiu pensando em satisfazer o interesse pessoal e sim, o desejo dos parlamentares. Indagado se o Senado saiu do episódio com a imagem positiva, deixando o ônus do desgaste para a Câmara, Severino foi taxativo:

- Se ele (Renan) precisa passar a imagem de bonzinho, eu não preciso.

Aliados de Severino foram ainda mais incisivos. O quarto-secretário da Câmara, João Caldas (PL-AL), afirmou ser ''péssimo'' para o Legislativo uma Casa querer se sobrepor à outra. Segundo Caldas, os senadores têm uma série de vantagens, como carros com motoristas, que não existem na Câmara.

- Dizem que, melhor que o Senado, só o céu. Eles estão no céu e nós, no inferno - comparou Caldas.

O segundo vice-presidente da Câmara, Ciro Nogueira (PP-PI), acusou Renan de querer sair como o ''bonzinho da história''. Nogueira confirmou que o aumento do Judiciário será colocado em votação porque foram obtidas as assinaturas necessárias para a urgência. Quanto à polêmica lista de assinaturas para o aumento dos deputados, não sobrou nada.

- Ela foi destruída na máquina de picar papel da Câmara - confirmou Nogueira.

Para o líder do PP na Casa, José Janene (PR), o Senado custa muito mais para os bolsos do contribuinte do que a Câmara. Além de um motorista particular para cada senador, os membros do Senado teriam, segundo ele, direito a um plano de saúde vitalício, extensivo aos familiares, e a gastos ilimitados de telefone e correios. Até o início da noite de ontem, a diretoria-geral do Senado não desmentiu as acusações de Janene.

Renan não quis polemizar com os deputados. Classificou o assunto como encerrado, garantiu que não está utilizando o episódio para cacifar a imagem do Senado. Mas afirmou que nenhuma casa vai ''enfiar propostas goela abaixo da outra''.