Título: Fundo contra pobreza deixou de usar R$ 728 milhões
Autor: Waleska Borges
Fonte: Jornal do Brasil, 13/02/2005, Rio, p. A27

Deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha, que faz oposição, leva protesto à Alerj

A diferença entre os recursos arrecadados e os aplicados no Fundo Estadual de Combate à Pobreza e às Desigualdades Sociais (FECP) em 2004 aponta que pelo menos R$ 728 milhões dos cofres públicos deixaram de ser usados. A quantia equivale a mais da metade da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Os cálculos, feitos a partir de dados do Sistema de Acompanhamento Financeiro do Estado (Siafem), serão apresentados esta semana na Assembléia Legislativa (Alerj) pelo deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB). O dinheiro deveria ser aplicado habitação, saúde, educação, saneamento e programas sociais. - O fundo da pobreza ficou abalado. Com R$ 728 milhões daria para o estado comprar centenas de cestas básicas por R$ 35 - diz Luiz Paulo.

Segundo o deputado, a arrecadação do ICMS foi de R$ 1.400.439.782,45. O valor empenhado no FECP chega a R$ 1.030 bilhão. No entanto, de acordo com Luiz Paulo, o estado pagou apenas R$ 671 milhões do total.

- O buraco é formado pelos R$ 369 milhões da diferença entre o arrecado e o empenhado e mais os R$ 359 milhões do não pago - detalha o deputado.

Segundo a Lei Estadual 4086, os recursos do fundo criado por decreto pela governadora Rosinha Matheus, em 2003, vêm do aumento de 1% da alíquota do ICMS, com exceção de alguns produtos e serviços, entre eles os que compõem a cesta básica. Parte da arrecadação fomenta programas sociais, como o Cheque-Cidadão e o restaurante popular. De acordo com a lei, ''ficam vedados o remanejamento, a transposição ou a transferência de recursos deste fundo para finalidade diversa da proposta, ainda que prevista na Lei Orçamentária anual''.

- O governo tem que explicar a diferença entre o arrecadado e o gasto. Nos próximos dias, vou pedir à comissão de orçamento da Alerj que convoque o secretário de Receita para dar explicações - adianta Luiz Paulo, que vai pedir ao Tribunal de Contas do Estado uma auditoria no FECP.

Coordenador da Ação da Cidadania contra Fome, a Miséria e Pela Vida, Maurício Andrade crê que a existência de centenas de pequenos projetos sociais favorece o desvio de verbas.

- Temos projetos em cada instância, mas não há um consenso. Deveria ser criado um cadastro único de cobertura social - propõe Andrade.

Responsável pela Pastoral de Favelas, o padre Luiz Antônio Pereira Lopes lembra que nem sempre as comunidades carentes são beneficiadas com os recursos destinados aos programas.

- Os governos e ONGs usam o nome do pobre para conseguir dinheiro, mas não temos visto a aplicação destes recursos nas favelas - alerta.

De acordo com o sacerdote, que também é responsável pela paróquia do bairro Jardim América, que engloba quatro favelas, são poucos os que têm acesso aos programas sociais:

- A população não sabe a qual instituição ou órgão deve recorrer para obter o benefício.

O padre cita como exemplo da falta de informação para população o programa Cheque-Cidadão, do governo do estado. Segundo ele, no Jardim América, existem 2 mil pessoas cadastradas no programa, mas apenas 100 têm o benefício.

- Muitas dessas pessoas vivem de biscate, vendem balas na rua ou dependem de subempregos. E quem acaba sendo cobrado pelo benefício não é o governo, mas o padre ou o pastor, que estão mais próximos deles - diz.

O secretário de Ação Social Fernando William preferiu não comentar as denúncias do deputado. Ele informou, no entanto, que parte do Fundo de Combate à Pobreza é usada no Cheque-Cidadão. O programa atende a 90 mil famílias no estado, sendo 50 mil delas no município do Rio. Segundo o governo, na cidade, há 2 mil entidades religiosas cadastradas para repassar o benefício. No ano passado, foram aplicados R$ 9 milhões no programa.

Além do Cheque-Cidadão, parte dos recursos do fundo é aplicada no investimento e construção de restaurantes populares. Atualmente estão sendo construídos 10 restaurantes. Dois serão inaugurados em abril. Ainda de acordo com a secretaria, o dinheiro também é usado no projeto Amigos da Comunidade, que engloba 128 comunidades em oito complexos habitacionais. Procurado pelo Jornal do Brasil, o secretário estadual de Receitas e Finanças, Henrique Belúcio, não foi encontrado.